Vinte e dois

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James 

  Permaneci em silêncio, apenas fitando meus pés. Victoria continuava à fitar-me, aguardando por minha resposta.

O quê poderia dizer á ela? Como poderia explicar tudo, sem parecer um completo maluco?

  — James, estou falando com você! Esclareça-me isto!

Voltei à fitar seu rosto. Sua expressão estava completamente ansiosa e... temerosa?

Ainda em silêncio, observei impotente, Victoria passar por mim e erguer as cortinas do quarto de uma vez, fazendo com que os raios de sol adentrassem no aposento, iluminando-o e tornando mais evidente o retrato de Elsa.

Assim que visualizou com exatidão o retrato, Victoria cobriu a boca com as mãos, em descrença pelo que estava diante de si.

Ela virou-se para mim.

  — James... quem é essa mulher e porquê... Se parece tanto comigo?

Depois de alguns segundos em silêncio, respondi, hesitante:

  — Aquela é Elsa Hollowell e em relação a segunda pergunta, não faço ideia da razão da semelhança entre vocês.

   — Elsa...? — Victoria fitou um ponto fixo no chão, parecendo lembrar-se de algo importante. — foi por este nome que Marilyn chamou-me na primeira vez em que estive aqui... — olhou para mim —, James, quem é essa mulher e qual a relação dela com você?

Engoli em seco.

  — Ela... era minha noiva.

Victoria piscou, antes de uma expressão completamente acusatória tomar conta de seu rosto.

  — O quê? Você está brincando comigo, não é?

Desviei o olhar e ela começou a rir, amargamente.

  — Ai meu Deus! O quão hipócrita, você pode ser, James? Estava julgando-me por Michael, quando também tinha uma...

  — São situações completamente diferentes! Não compare-as!

Victoria arqueou uma sobrancelha, pondo as mãos na cintura.

  — "Diferentes"? Você fez exatamente a mesma coisa que eu! Não contou-me  que tinha uma noiva! — fez uma pausa, como se ponderasse algo —, Ai meu Deus... Foi por isso que você  proibiu-me de entrar no seu quarto... Não queria que soubesse dela!

Cerrei as mãos.
Nesse momento, as lembranças de Elsa vieram à minha cabeça. Victoria não tinha ideia do que estava falando.
Custou muito à mim, admitir o que disse a seguir, em voz alta:

  — A diferença é que ela está morta!

A expressão de Victoria vacilou.

  — O quê...?

  — Ela morreu a dois anos atrás, num acidente. — lágrimas já escorriam por meus olhos, enquanto as lembranças daquele dia retornavam de uma só vez, a mim. —, a carruagem em que ela estava tombou na estrada e ela... morreu. Ela... me deixou. Nós casaríamos no mês seguinte.

Ergui meus olhos apenas a tempo de ver a expressão de Victoria. Seus olhos estavam caídos e adornados por lágrimas; seu semblante era de mágoa.

  — Foi... Foi por isso que você escolheu à mim, não foi? Porque eu pareço com ela...!

  — Não tive nada a ver quanto a sua escolha como minha noiva. Foi tudo ideia de meu pai. Ele pensou que se encontrasse alguém parecida com Elsa, eu...

Os lábios de Victoria entreabriram-se e ela quase caiu para trás, pondo uma das mãos sob o peito. Dei dois passos  até ela, mas parei no momento em que ela ergueu uma das mãos.

  — Não toque em mim! — sua voz saiu tão desesperada, que mais me pareceu uma súplica, do que uma ordem.

Ela ergueu-se do chão, sua respiração ofegante; sua mão ainda estava envolta de seu peito esquerdo – acima de seu coração.

   — Agora tudo faz sentido... foi por isso que seu pai... por isso você... Ai meu Deus! — seus lábios tremiam, enquanto mais lágrimas caíam de seus olhos, molhando todo seu rosto.

Meu peito apertou contra o peito, vendo seu estado de desolação.

   — Victoria, eu...

   — Não se aproxime de mim!

Ela secou as lágrimas de seus olhos, sua expressão endurecendo. Em seguida, seu olhar percorreu cada centímetro de meu quarto, vendo algumas das recordações físicas, que eu guardava de Elsa; dentre elas, estavam algumas das cartas trocadas por nós.

   — Você é doente James... Esse... Esse lugar — fez um gesto apontando para todo o quarto —, é a droga de um santuário... você é...

Mais lágrimas brotaram por seu rosto, impedindo-a que continuasse a falar.
De repente, seus olhos ergueram-se para o bolso de meu colete.

  — Esse lenço que você carrega... com uma mecha de cabelo... — engoliu em seco —, é dela, não é? 

Assenti.

   — Vocês são doentes, James! Você, seu pai... Não são tão diferentes da sua mãe! São todos malucos!

   — Isso não é loucura, Victoria. É amor.

Senti como se minhas palavras tivessem machucado mais do que se tivesse cravado um punhal contra o peito dela, devido à expressão de dor que passou por seu rosto.

   — Não sou uma substituta dela, James. Não sou e jamais serei.

A próxima coisa que Victoria fez, foi erguer-se, levantando o queixo e endireitando a coluna; ainda assim, pude perceber que ela fazia força para não chorar.

   — Eu tenho pena de você.

Sorri, ironicamente.

   — Pena de mim? Tal sentimento deveria ser dirigido aquele pobre coitado que você iludiu. Não à mim.

Um tapa.

O som da palma da mão dela sob o lado esquerdo de meu rosto rosto foi tão alto, que pude ouvi-lo ecoar por todo o cômodo. Meu rosto ardeu, no momento em que a mão dela foi retirada de meu rosto.

Eu mereci aquele tapa. E fiz intencionalmente. Queria que ela me machucasse; que me machucasse da forma como havia feito com ela. Ela não merecia aquela dor, mas eu sim. No fundo, sabia que Victoria estava certa. Eu era apenas um perturbado lutando contra as lembranças do passado. Lutando contra os fantasmas do passado.

Victoria deu um passo para trás. Não tive coragem de fitá-la, então permiti que meu rosto continuasse virado, ainda sentindo a ardência em meu rosto.

Ouvi o som de passos.
Passos desesperados, fugindo de mim.

Estava sozinho. Novamente...

  

Aceite meu coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora