Portugal

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QUE. FODA.

O voo de 8 horas de Bright Moon City até Lisboa não foi nem de longe o suficiente para acabar com a bateria do seu celular novo. Feliz da vida, Catra guarda o aparelho no bolso no momento do desembarque, ainda com as batidas de "Estilo Cachorro" dos Racionais na mente.

- Mulher e dinheiro, dinheiro e mulher, quanto mais você tem, muito mais você quer... – cantarola Catra, seguindo a multidão para onde imagina que vá recuperar sua mala. Assim que chega à sala das esteiras, vê sua mala saindo do meio das cortinas, e satisfeita com a sua sorte, agarra sua mala e logo sai para o hall do aeroporto.

Embora as placas estejam em português, ela lê também as partes em inglês, como forma de treinar sua fluência no idioma. Por isso demora um pouco mais do que o normal para chegar à entrada do aeroporto.

- Opa – Catra se dirige ao primeiro motorista livre da fila e mostra a tela do celular com o endereço da estação de trem – e aí mano. Rola me levar nesse lugar aí?

O motorista é um homem de meia-idade, coroa de cabelos grisalhos com o topo da cabeça careca, alto e ombros largos. Ele assente e dá a volta no carro, indo abrir o porta-malas e guardando a bagagem de Catra. Ela se senta no banco de trás e tenta conectar à internet...

Sem serviço. "Mas que caralho", pensa frustrada. Claro que seu plano eteriano não funcionaria aqui em Portugal. Catra respira fundo e relaxa contra o banco do carro, tentando criar uma paciência que não tem para enfrentar as próximas horas de viagem de trem para Lagos, ainda sem internet, somente com suas músicas baixadas. A garota suspira resignada, e continua sua playlist.

- Tem que acreditar! – o discurso de Mano Brown começa, na versão ao vivo de "A Vida é Desafio". Ela já ouvira aquele discurso tantas vezes, mas sente que só nos últimos anos da sua vida começou a realmente entendê-lo – desde cedo a mãe da gente fala assim, "filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor", mas passado alguns anos eu pensei: como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado? Pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos trauma, pelas psicose? Por tudo que aconteceu, duas vezes melhor como? Ou melhora, ou cê é o melhor ou é o pior de uma vez, sempre foi assim. Se você vai escolher o que tiver mais perto de você, o que tiver dentro da sua realidade, você vai ser duas vezes melhor como? Quem inventou isso aí, quem foi o pilantra que inventou isso aí? Acorda pra vida rapaz.

É necessário sempre acreditar que o sonho é possível
Que o céu é o limite e você, truta, é imbatível
Que o tempo ruim vai passar, é só uma fase
E o sofrimento alimenta mais a sua coragem

Catra cantarola baixinho junto com Edi Rock.

É assustador pensar como essa música é tão velha quanto ela. Como vem escutando essa mesma música praticamente desde que se conhece por gente. Como costumava não entender sobre o que ela falava, quando criança.

Que a sua família precisa de você
Lado a lado se ganhar, pra te apoiar se perder

As imagens de sua mãe, seus irmãos, aparecem na sua mente. "Eu não vou perder", ela retruca à música. "Se tem uma coisa no mundo da qual eu tenho certeza, é de que agora eu não vou perder". Mas a música continua, sem esperar por suas reflexões. Sem esperar que a mulher perceba que os motivos daquela sua versão do passado para gostar dessa música, quando ela apenas admirava o ritmo de Edi Rock, as batidas legais, as rimas bem-calculadas, eram imaturas. Lembra de como começou a se tocar durante a adolescência do real significado daquela poesia, mas olhando para trás agora, Catra percebe que ainda não havia entendido completamente.

Gringa Grudenta - (Catradora)Onde histórias criam vida. Descubra agora