De volta para casa

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Cinco meses. Esse foi o tempo que Catra passou longe da sua família, da sua cidade natal, do seu país.

Até dois anos atrás, ela acreditava que nunca nem sequer sairia do seu estado, e de repente estava viajando todo o Brasil para as partidas da equipe sub20 do São José. E de repente estava na equipe principal do São José. E de repente se encontrava morando noutro país, viajando para a Europa, com um salário mensal maior do que sua mãe consegue tirar o ano inteiro. Catra não sabe os salários exatos dos seus irmãos para conseguir fazer a conta de cabeça, mas ela não duvida que, nem juntando o salário anual dos três, daria o que ela ganha em um mês.

Mesmo pagando aluguel, comida, conta de energia, água, gás, uber, tendo comprado um Playstation e vários jogos, e mandando parte do dinheiro de volta para casa pra facilitar a vida deles, ela ainda não consegue gastar tudo o que recebe. É um sentimento incrível. Catra se pergunta se é assim que burgueses se sentem, nunca tendo que ter a menor preocupação com dinheiro e podendo comprar qualquer coisa que queira sem pensar duas vezes.

Depois de descer do avião no aeroporto de Guarulhos e pegar um ônibus até sua cidade-natal, Catra finalmente se encontra no banco de trás de um táxi, sentindo uma euforia por antecipação. Abraça sua mochila protetoramente com um braço, enquanto mantém a mão livre sobre a gaiola de Melog, que de vez em quando solta uns miados incomodados.
- Shh, calma gatinha. Aqui é da onde sua mamãe saiu, viu? – ela conversa com a gata vez ou outra, tentando tranquilizá-la.
- Sério que cê é da Zona do Medo? Não parece não... – comenta o taxista, dando uma rápida olhadela na garota no banco de trás através do retrovisor.
- Ué mermão. Comassim?
- E esse tênis caro aí? Essa mochilona de filme americano? E essas lentes de contato de cor diferente?
- Eu me dei bem na vida – gaba-se Catra – e lente de contato é o caralho – o motorista resmunga um "aham, claro, acredito". Quando param no sinaleiro, o taxista fica lançando um olhar desconfiado para ela pelo retrovisor até o sinaleiro abrir – ué mano, qual foi?
- "Se deu bem na vida"... aham, sei.

"Ué, num saquei não", pensa Catra, embora tenha umas teorias em mente.
- Eu sou jogadora de futebol – diz ela, um tanto raivosa – jogo num time de Etéria que chama Red Horde.
- Claro, claro. Como se alguém se importasse com futebol feminino.

Catra tem vontade de dar um chute na nuca desse motorista, mas suprime a raiva dando o dedo para Melog brincar e se distraindo com as gracinhas dela. Não quer ser presa por agressão logo no seu primeiro dia de volta ao Brasil.

Assim que chegam na frente de sua casa, ela paga o motorista e pega a mala no bagageiro sozinha, recusando sua ajuda. Catra se dirige até a frente do portão de casa, um verde descascado tão baixo que até uma criança conseguiria pular mas que mesmo assim é preso por correntes.
- Ô DE CAAAAAAAAAAAASA! – ela berra com toda a força dos seus pulmões, e logo ouve uma movimentação do lado de dentro.

Quem atende a porta é Lucas, seu irmão mais novo sem contar Luana. O garoto, que cresceu no mínimo alguns centímetros durante o tempo em que Catra esteve fora, acelera até o portão para destrancar as correntes, com um sorriso rasgado no rosto.
- Ágata!
- Opa, e aí – seu humor já melhora só de vê-lo. O garoto termina de destrancar as correntes e abraça a irmã, quase a levantando do chão com mochila e tudo. Catra solta um "meu deus!" em meio a risadas, e quando Lucas a solta ela pode observá-lo melhor.

Ele finalmente a passou em altura enquanto ela esteve fora. Uns pelinhos de bigode já começam a aparecer acima dos seus lábios e ele mantém os mesmos dreadlocks de quando ela partiu, porém agora um pouco mais longos, passando ligeiramente da altura dos ombros.
- Porra, quanto tempo, mana! – ele olha para a gaiola e começa a rir – Ágata e a gata!
- Vem cá, quem foi que deixou cê ficar mais alto que eu? – ela pergunta, agarrando o irmão pelo pescoço e esfregando o punho na cabeça dele, que tenta se desvencilhar. Os dois entram em casa e Catra encontra Luana, sua irmãzinha, desenhando algo na mesa da cozinha. A garotinha levanta a cabeça na direção de Catra quando a mais velha entra e permanece ali, encarando a irmã mais velha e morrendo de timidez, enquanto Catra põe a gaiola de Melog no chão e faz Lucas levar suas malas para o quarto.
- O-oi... – cumprimenta Luana, como se não conhecesse Catra. A mulher se agacha e sorri para a irmãzinha.
- Não vai vir me cumprimentar direito não, baixinha?
- Tá bom... – ela levanta lentamente e vem de ombros encolhidos até Catra, e as duas se abraçam. Catra se levanta com a irmã no colo, que dá um gritinho agudo assustado e depois começa a rir.
- Eu trouxe uma gatinha! Quer brincar com a gatinha?
- Gatinha! – os olhos de Luana brilham ao ver Melog dentro da gaiola.
- Mas tem que tomar cuidado com ela, tá? Não é um brinquedo – explica Catra, fazendo uma expressão fingidamente séria – não pode machucar a gatinha, ok? E se ela estiver incomodada, tem que parar, ok?
- Tá bom – ela assente com a cabeça freneticamente. Catra põe a irmã no chão e abre a gaiola de Melog, e as duas começam a chamar a gata, tentando convencê-la a sair.

Gringa Grudenta - (Catradora)Onde histórias criam vida. Descubra agora