"Pães, livros e um irmão furador de filas"

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O DESPERTADOR toca, e ele coça os olhos. Ao invés de dormir, organizou todas as anotações sobre o garoto do balanço. Retirou todos os post-its da parede branca e colou em um caderninho com imitação de couro na capa. Às vezes, organizar coisas o acalmava, por isso tudo em sua casa era bem organizado e arrumado.

Levanta e coloca o uniforme já dobrado na cadeira da escrivaninha, apenas o esperando. Está frio, por isso coloca uma blusa de gola alta por baixo da camisa do uniforme. Kai ainda está dormindo na cama ao lado.

- Bom dia, Soobin. - Sua mãe diz, assim que entra na cozinha.

- Oi, mãe. - O garoto dá um beijo em sua cabeça.

Olha ao redor da cozinha minúscula, a procura de algo para comer. Então se lembra de olhar para o relógio, para calcular o tempo. É um relógio de parede velho, entalhado em madeira escura, presente de seu avô.

- Mãe, esse relógio está adiantado, né? - Pergunta com o pânico surgindo, o deixando suado e nem são sete da manhã. Talvez a blusa seja um exagero.

- Não. - Ela responde, com uma tranquilidade estranha.

Ela bebeu. Mas ele não tem tempo de conversar com ela, porque está terrivelmente atrasado. Mamãe sempre bebe, mas pelo menos não fica agressiva. Ela fica mais contemplativa e esquecida.

Geralmente, ele tentaria convencê-la a procurar ajuda, mas ela sempre nega, e ficariam num vai e vem de argumentos. Mas hoje ele não tem tempo, e chegar atrasado não é algo que goste. Afinal, para que existem os horários, se não para segui-los?

- Huening Kai! - Soobin chama seu irmão, esperando que pelo menos tivesse levantado da cama.

- Bom dia, família. - Ele aparece, se sentando à mesa e pegando um biscoito, o jeito de comediante de sempre.

- Estamos atrasados. - Diz, puxando o braço dele. Sem tempo de trocar a blusa.

- Você e essa sua mania de horários. - Kai suspira, largando o biscoito.

Soobin corre de volta para o quarto, pegando mochila e um pouco de dinheiro. Seu irmão já espera na entrada, de sapatos calçados e guarda-chuva em mãos.

- Vai chover hoje. - Ele dá de ombros quando Soobin o questiona pelo olhar.

(...)

- Pronto. - Huening Kai entrega a sacola marrom.

Estão na esquina da rua da escola, esperando o portão abrir. A velha e acolhedora padaria de dois andares é iluminada pela luz matinal, o toldo vermelho brilhando. As pessoas, já nas ruas, começam a acordar, sorrindo para o bom tempo.

A padaria está insuportavelmente cheia para Soobin, e só de olhar ele sente estômago embrulhar e pular. Mal consegue ficar em multidões, quanto mais filas enormes com pessoas irritadas que podem se tornar desagradáveis em um piscar de olhos.

Por isso, Kai estava lá, e não ele. Por ser muito magro, seu irmão consegue se esgueirar nas filas e chegar ao balcão mais rápido do que a maioria, deixando vários adultos engravatados muito bravos. Mas é o fato de ele furar filas que permite que os irmãos cheguem no horário, com dez minutos de folga.

Não que Soobin se orgulhe.

- Humm. - Ele exala o aroma de pão quentinho e retiro o conteúdo do saco. 

- Rosquinha para você. Pão doce para mim. - Sorri.

- Você é estranho. - Kai encosta na parede do estabelecimento, ao seu lado e dá uma mordida na rosquinha.

- Você que é. - Entrega o guardanapo que sabe que ele vai precisar.

- Hoje eu saio cedo. - Kai avisa, limpando o açúcar do canto da boca.

- Ok.

Um vento frio começa a soprar e algumas nuvens ameaçam cobrir o céu azul. Soobin se lembra que Kai nunca erra a previsão do tempo.

- Não precisa me buscar. - Seu irmão diz, quebrando o silêncio.

- Sério? - Soobin ergue a sobrancelha.

- É, tenho... - Ele coça a cabeça - Um lance depois.

Sorriu. Ao contrário de seu irmão mais velho, Kai tem amigos e Soobin vinha suspeitando de que ele tem uma namorada. Mas tente perguntar isso para um garoto de 15 anos e veja o que acontecerá. Soobin decide que se ele quiser contar, vai contar.

- Tudo bem, tenha cuidado. O portão abriu! - Ele se distancia do irmão e sobe a rua até o colégio.

- Tchau, nerd! - Kai grita, terminando sua rosquinha com toda a calma do mundo.

(...)

O último período é livre para a maioria dos alunos, mas não para Soobin. Esse precioso tempo de cinquenta minutos de toda terça, quarta e quinta-feira é dedicado aos créditos do seu currículo. Faz anos que ajuda na biblioteca, seu lugar favorito na escola.

Se todos soubessem o bem que empilhar alguns livros faz nos currículos para a faculdade, fariam fila na porta. Mas é bom que não saibam, porque deixa a biblioteca tranquila e silenciosa, especialmente nesse horário.

Adentra o ambiente bem iluminado, com janelas enormes que dão para o campo de futebol. O vidro das mesas brilha, refletindo a luz do sol, que dança entre as prateleiras de livros. Poucos alunos ocupam o espaço, alguns nos sofás de leitura, outros nas mesas, estudando.

Já atrás do balcão, Soobin faz seu pequeno ritual: retira o casaco do uniforme, e coloca o crachá de ajudante preso na blusa. Apoia a mochila no gancho especial que ele colocou no seu primeiro mês de ajudante. Pega a prancheta de tarefas e começa seu trabalho.

Soobin empurra o carrinho pelos corredores vazios, arrumando e realocando os livros. Passa os dedos pelas lombadas gastas e títulos pomposos que conhece bem. Livros são mais fáceis de lidar do que pessoas, e foram seus únicos amigos até agora.

Exceto pelo garoto do balanço...

Ele pisca ao ver a senhora com o sorrio mais doce do mundo no rosto. Seus olhos pequenos o encaram, felizes. Hoje veste um conjunto de cardigã azul e branco, as cores da escola. Ela exibe seu crachá de bibliotecária no peito, com orgulho.

- Soobin! Achei que não viesse te hoje, ainda não tinha te visto...

- Nunca que eu faltaria sem avisar, Sra.Yoon. - Ele abraça a senhora que considera sua avó.

- Muito bem, vamos voltar para o balcão. Temos visitas. - Ela diz, se soltando.

- Temos? - Pergunta, animado.

- O diretor. - A senhorinha sorri. 

Soobin se ajeita atrás do balcão e empertiga a coluna. Se o diretor está aqui, ele precisa ver como a biblioteca funciona bem nas mãos de uma senhora de sessenta e oito anos e um adolescente solitário.

Com um estrondo, a porta dupla se abre. Dela, sai o diretor Min, puxando um garoto pela orelha. Soobin troca olhares com a Sra. Yoon. O que isso significa? Chegando mais perto, ele reconhece o garoto.

Como não tinha visto a cabeleira azul, sinônimo de perigo, ainda mais com ele irado daquele jeito? Ou as roupas customizadas e ajustadas para parecerem o mínimo possível com o uniforme?

Era Choi Yeonjun, afinal.

(...)

The book of you and I • YeonbinOnde histórias criam vida. Descubra agora