Chamas do rancor

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Não  sei por quanto tempo perdi os sentidos, tentei me arrastar, a chuva caia eu sentia meus ferimentos ardendo. Eu estava no fundo do desfiladeiro, vi o corpo do cavalo em pedaços, ele tinha explodido. Meu corpo tremia, eu não  sabia se era de dor ou de raiva, raiva. Senti chamas se acumularam perto do cavalo, eram as chamas de todos aqueles que tinham morrido na guerra, eram chamas amarelas. Algo estava acontecendo, senti um grande calor ali próximo, tentei olhar para a fonte deste calor e vi o cavalo, sua chama estava amarela e tremeluzia.  Consegui sair do desfiladeiro e estava vazio. Dororo não  estava lá. Eles levaram Dororo com eles, eu sabia para onde a levaram e eu não  iria deixá-los fazer mal a ela.
Senti uma grande raiva invadindo o meu ser o que me fez gritar com força.
- Dororo, vou te buscar.  – falei em voz alta esta promessa, ouvi um relinchar de cavalo, aquele cavalo estava ali próximo  de onde eu estava. Ele era uma assombração criada pelo rancor de rodos que morreram ali, o próprio  cavalo era movido por esse rancor.
Aqueles homens tiraram vidas demais nesta guerra interminável.
O cavalo permanecia ali, como que, esperava pelo seu cavaleiro, eu senti ele me chamando, ele me queria como seu cavaleiro, tínhamos o mesmo objetivo, acabar com os nossos inimigos.
O montei sem me importar se naquele momento ele seria um demônio  ou não, senti um vento quente em torno te mim, o cavalo correu muito rapido, chegamos a um  campo cheio de chamas cinzentas, eram soldados armados e estavam entre mim e a entrada para o castelo de Daigo.
O cavalo avançou sobre os homens, eu permanecia montado nele como o seu cavaleiro, senti uma chama vermelha me envolvendo, eu não  me importava mais, se para salvar Dororo eu precisasse me tornar um demônio, assim eu faria.
Ergui meu braço, os homens vieram para cima de mim e do cavalo, fiz muitos deles em pedaços, o cavalo me ajudou pisoteado e desmembrando muitos deles.
Encontrei a chama do homem que antes foi o cavaleiro deste cavalo, eu sabia que ele estava por trás  do submisso de Dororo, eu sentia isso.
- Devolvam Dororo!
O homem tentou em vão  me acertar. O cavalo o fez queimar. Saímos em disparada, nada mais me impediria chegar ao castelo de Daigo, quando vi algo que fez meu sangue ferver. Três  cavaleiros em seus cavalos passaram por mim e ficaram entre mim e a entrada que levava ao castelo.
Reconheci os três. Tahomaru,  a mulher e o Homem que o servia.
A chama de Tahomaru tinham duas pequenas chamas vermelhas em sua cabeça, o Homem e a mulher cada um com um braço, ambos os braços  eram de chamas vermelhas. Eu sabia que aqueles braços eram meus, Eles estavam com o que faltava do meu corpo, meus olhos, meus braços. O demônio  os deu a eles, deu aquilo que me pertencia a eles.  Fiquei fora de mim.
- Isso é  meu! – gritei partindo para cima deles montado no meu cavalo demoníaco.
- Hyakkimaru! – ouvi Tahomaru gritar antes de cruzarmos nossas espadas. – Para completar o contrato e proteger a prosperidade de Daigo eu vou tomar o seu corpo Hyakkimaru!
Eu não  iria deixar.
- Me devolva! – gritei com Tahomaru
-Devolver? Não me faça  rir!
Fui atacado por trás  pelo homem que tinha meu braço, meu cavalo desviou por pouco.
- Isto nunca foi seu! – Ele gritou .
A mulher também  veio e, seu cavalo para cima de mim, nossos cavalos lado a lado, evitei o seu golpe  com as minhas espadas.
- Nós  é  que viemos reclamar o que é  nosso!
- O que? -perguntei incrédulo, eles queriam tomar de volta aquilo que sempre foi meu. Eles queriam meu corpo, minha morte.
Eles continuaram me atacando.
- Isso é  meu!
- Não  é, não.  Estes agora são  os olhos e os braços  de Daigo. As terras vão  desmoronar se eles forem tomados. Já  estão  a beira da destruição. Por que você  rompeu o contrato com os demônios. Não  temos mais tempo. Precisamos tomar você  inteiro pelo bem do povo de Daigo.
- Vamos devorar você  por Daigo – gritaram em uníssono, o Homem, a mulher é o Tahomaru.
- Calem  a boca! – gritei o mais alto que pude.

Parti para cima de Tahomaru, ele me feriu, mas eu não  me importei, pulei do cavalo, continuei a lutar contra Tahomaru.
O cavalo que tinha me ajudado foi ferido pelo homem e pela mulher, mas antes de cair ele conseguiu tirar a vida dos dois. Vi um pequeno cavalo se aproximar do cavalo demoníaco. Eu entendi que era o seu filhote. O cavalo perdeu as chamas demoníacas, e sua chama pouco antes de se extinguir voltou a ser branca.
Tahomaru se esqueceu de mim e foi para junto dos dois, ele gritava, sentiu a morte de seus dois amigos.
Senti uma grande dor se apostando de mim, minhas próteses caíram de vez, no lugar delas eu tinha os meus braços  de verdade. Os ergui para o alto gritei com toda a minha força. Peguei as espadas da prótese e as usei para me proteger do ataque de Tahomaru. Senti um líquido quente escorrer das minhas mãos, em seguida uma dor parecida  com uma ardência, as espadas que eu segurava estavam me ferindo.
- Hyakkimaru  - ouvi uma voz feminina gritando, era a mulher que eu sabia que era a minha mãe. Ela estava viva. Olhei em direção  de onde vinha a sua voz e reconheci a pequena chama branca, era Dororo, ela também  estava bem, ela estava com a minha mãe. As duas estavam ali não  muito longe de mim, eu ofegava como um animal, tive um ímpeto  de colocar os braços  para trás junto das espadas, eu não queria que elas sentissem medo de mim.
- Hyanikin.
- Hyakkimaru – ouvir meu nome saindo da boca de minha mãe  me fez encolher. – eu...
Tahomaru entrou na frente da minha mãe.
- Mãe,  por favor afaste- se.
- Tahomaru.
- Ainda tem pena desta coisa? Ele é  uma maldição  sobre nossas terras.
Ao ouvir isso de Tahomaru, me levantei e corri o mais rápido que pude. Eu não  queria mais ficar ali, eu precisava me afastar de tudo aquilo.

- Estas mãos  são  minhas. Minhas. Por que todo mundo quer me impedir?
Continuei correndo no meio de uma vegetação.
O que a chama que me protegia um dia me falou uma vez voltou a me assombrar.
O corpo que recuperar estará  manchado de sangue humano. Então  você  ainda será  humano?
- Humano? O que é  Humano? Eu sou...
Então  as palavras que ouvi de meu irmão  vieram na minha cabeça .
Uma maldição  sobre nossas terras.
- Não,  é  meu! Eu vou pegar de volta!
Parei de correr, me abaixei e finquei  as espadas no chão,  me assustei ao sentir que o liquido quente que saia de minhas mãos não  parava, era o meu sangue.
Retirei as faixas de tecido que eu usava nas pernas e enrolei sobre minhas mãos.

Hyakkimaru e Dororo.- Narrado por Hyakkimaru. Onde histórias criam vida. Descubra agora