Desespero

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Ouvimos alguns aldeões  dizerem sobre um demônio que devorava  pessoas na floresta da montanha, estavamos indo atrás deste monstro. Senti uma brisa um pouco mais fria, era bom. Encontrei algumas frutas, peguei para mim e para Dororo que ficou muito feliz. Senti a emoção  na voz dela. Relaxamos um pouco.
Dororo estava falando sobre as cores das folhas desta época do ano. Explicou que eram 4 as estações  do ano; primavera, verão,  outono, inverno, ela me disse que agora que era outono que todas as montanhas ficavam  vermelhas. Fiquei ouvindo Dororo que me contou cada detalhe do que ela estava vendo.  Disse que aquela visão  que ela tinha das montanhas no outono é o que se chamava de lindo.
- Hyanikin, um dia você  também vai poder ver como eu vejo, eu sei que vai. Não só  as montanhas, como o sol e as nuvens.
Era bom ouvir tudo aquilo.
- Você só  fica concordando  sem dizer nada. Está  mesmo me ouvindo Hyanikin?
- Sim. Eu quero ouvir mais. Mais das suas histórias. – era bom poder imaginar o que Dororo descrevia tão  bem.
- Hyanikin, você  mudou. Está  muito diferente de quando nos conhecemos. Também  quero te contar sempre muitas coisas. Mas antes temos que derrotar o monstro.
-Voces também  querem matar o monstro? Ouvi a voz nos perguntar, sua chama era cinza mas algo a deixava mais apagada que o normal.
- Quem é  você? O quer com a gente? - Dororo perguntou assustada.
- Ei relaxe, eu também vim para matar o monstro. Meu nome é Saburo e estou caçando  esse monstro  há  seis meses. É  uma fera muito resistente. Tentei pega-lo várias vezes e tudo  que eu consegui foi isto, - Saburo mostrou algo que só  Dororo viu, uma marca de luta talvez.
Eu não  sentia que ele estava sendo sincero. Alguma coisa nele me incomodavam eu só  não  conseguia saber o que era.
- Por que  você  quer tanto matar esse monstro? – perguntou Dororo a ele,
- Ele matou a minha mãe. Bem diante dos meus olhos, eu nunca vou esquecer. Parece que tenho um buraco aqui desde então. Esses braços, vejo que também  passou por muitas coisas, deve ter sido assustador,
Eu não  respondi, apenas chamei Dororo e continuamos a andar. Saburo foi conosco, ele queria  mostrar onde o monstro sempre ficava.
Ficamos esperando entre as árvores, logo eu o vi, uma grande chama vermelha.
- Demônio – retirei uma de minhas próteses, iria matá-lo. Mas ele tentou atacar Dororo, a retirei a tempo, outro golpe veio em minha direção  e me defendi, eu sabia bem de quem era. De Saburo ele era aliado do demônio, agora eu tinha certeza.
- Por que está ajudando o monstro? Você  não  disse que ele matou a sua mãe?
- Criança, matar o demônio  não  vai trazê-la  de volta. Em vez disso, estou tirando  outras vidas. Deixo que ele devore todos que passam por aqui. Todos gritam e imploram  por ajuda. E  só  então  que não  sinto o vazio aqui dentro. O demônio  veio para cima da gente, desviei dele, carreguei Dororo comigo, pulei em cima de uma grande pedra que ficou em pedaços  nos derrubando junto com as demais pedras lá  embaixo.
Me levantei, vi a chama de Dororo, ela estava bem, mas não  estava acordada, tentei tirá -la dali, mas ela estava presa. Esperei que ela acordasse, o que não  demorou muito, me causando algum alívio.
- Hyanikin. Ah é, caímos daquele penhasco. Aquele sujeito...
- Dororo.
- Não  foi nada, vou me levantar.
Dororo começou  a se debater querendo se soltar, mas não  conseguiu, seu braço estava preso nas pedras.
- Não  consigo.
- Dororo – eu estava preocupado ouvi som de água
- Não  se preocupe vou acabar me soltando.
- Não.  Embaixo de você. – eu disse, percebi a água vindo, estava inundando o local em que Dororo estava presa.
Tentei em vão  puxá-la, mas meus braços  se soltavam.
- Você  não  consegue com esses braços  Hyanikin.
- Nesse caso... – não  terminei de dizer, não  sabia como dizer, apenas tentei empurrar a pedra que o prendia. Mas não  importava a força que eu fazia, a pedra nem se mexia, um dos meus braços de madeira rachou, mas eu não me importei, a água continuava a subir e estava ainda mais perto da cabeça de Dororo.
- Não  vai quebrar os braços! Você  precisa deles Hyanikin.
Dororo estava errada, aqueles braços  de madeira que recobriam as espadas contidas em mim não  eram importantes. Eu poderia arranjar outros, mas Dororo não, se ela morrer, nada mais para mim vai importar.
- Não  se preocupe, eu dou um jeito de sair dessa.
Dororo  mentia, eu senti o medo que ela estava sentindo. As águas estavam chegando em sua cabeça. Continuei fazendo força, eu precisava tirar aquela pedra, meu braço  soltou e bati a cabeça na pedra, senti o sangue descer pelo meu rosto, Dororo parou de falar.
Entrei em desespero. Continuei empurrando, não  me importava se iria quebrar minhas espadas, se eu iria morrer tentando, eu tinha que salvar Dororo. Senti que ela estava se afogando, comecei  a gritar e bati a cabeça  na pedra com a esperança de que assim eu poderia mexe-la e soltar Dororo. Gritei freneticamente, bati mais com a cabeça.
Uma mão  me tocou nos ombros.
- Chega para lá  filho. – era o sacerdote que tantas vezes tem nos ajudado.
Ele soltou a pedra usando a sua espada, Dororo estava a salvo. Ele a puxou, a ouvi tossindo
- Ele está  bem. – disse o sacerdote a segurando nos ombros. Pensei ter ouvido uma voz familiar, ainda bem que cheguei a tempo.
Me senti um completo inútil, se não  fosse o sacerdote, Dororo teria morrido, eu não  tinha braços  para mover aquela pedra, nem tato para sentir onde estava o exato local para soltar a pedra, nem nunca enxerguei para saber como poderia fazer isso.
Eu precisava voltar, eu queria de volta o que tomaram de mim, eu queria  braços  e olhos, se eu os tivesse, isso não  teria acontecido com Dororo, ela não  teria quase se afogado.
As lembranças  da conversa que tive com a Chama que me protege vieram como lâminas.
- Você quer um corpo?
- Quero.
- Por quê?
- Por que é meu.
Soltei o braço quebrado e o outro, os deixei no chão, fui procurar  aquele demônio E o Homem que andava com ele.
Começou  a chover, corri o máximo que eu pude, senti uma raiva descomunal, os demônios tomaram tudo de mim e agora quase tomaram a Dororo.
Encontrei o Homem e o demônio.
- Você  está vivo.
- Demônio. - falei entre dentes olhando para o demônio  em cima da pedra.
-Então  você  também  tem um buraco vazio aqui dentro? Mas desista. – Saburo era tão  mal quanto aquele demônio não vou me importar de dar o mesmo fim a ele.
Consegui acertar o demônio no peito, ele pulou para longe de mim. Continuei andando até  ele. Saburo não  entendia por que eu não  sentia medo, por que eu não  fugia.
Saltei e consegui cortar novamente o demônio  dessa vez na cabeça, ainda não  o matei, Saburo veio para cima de mim e me derrubou. Enterrou suas mãos  nas minhas espadas para me segurar no chão
- Eu queria ser igual a você... – ele soltou as mãos  das minhas espadas e se levantou, fiquei sem reação  ele se afastou de mim, o demônio atrás  dele também se levantou. – Agora é  tarde demais. - ele disse e logo o demônio o devorou e com isso ficou mais forte, me preparei para a luta. O demônio criou asas? Algo mais apareceu nele, reconheci a chama de Saburo, eles se uniram num só. Eu podia ouvi-lo.
O demônio veio para cima de mim, me preparei para o impacto. Consegui matá-lo, mas nada aconteceu, eu não  tive de volta nem meus olhos e braços, comecei a cortá-lo em pedaços, A chama de Saburo ainda estava presente e ela mantinha as chamas do demônio  ainda acesas, a perfurei.
Ouvi a voz de Saburo.
-Entendi.
- Devolva – eu disse antes de terminar de matá-lo.
- Você  é...
- Devolva – eu repeti.
- Você não  é Humano, é  por isso.
O cortei, a chama dele e do demônio  enfim sumiram, mas não  tive de volta nada. Aquele demônio não  me devolveu nada, eu queria meus braços, eu queria meus olhos.
Uma raiva tomou conta de mim, comecei a cortá-lo mais e mais, eu precisava fazer isso, eu queria o que era meu, não  sei por quanto tempo eu fiz isso, comecei  a ficar com mais e mais raiva.
- Devolva! – Eu gritava entre um golpe e outro.
Foi quando  senti as pequenas mãos  se envolverem em mim, me segurando, tentando me puxar.
- Pare Hyanikin
- É o meu corpo, quero que devolva.
- Não  Hyanikin, isso não  esta certo. – Dororo me abraçou forte, aquela criança  queria me trazer de volta. Caí  de joelhos. Dororo segurou meu rosto  e esfregou a cabeça na minha, o que me fez voltar a si.
- Por favor, pare.
Ficamos assim alguns minutos, eu conseguia respirar, meu coração  parou de bater forte. Decidi o que deveria fazer, eu não  podia esperar mais.
Me levantei e comecei  a andar sem me importar em pegar as minhas próteses.
- Hyanikin, onde você vai?
- Daigo. É  lá  que o meu corpo  está.
- Espere Hyanikin!

Hyakkimaru e Dororo.- Narrado por Hyakkimaru. Onde histórias criam vida. Descubra agora