Descobrindo o som.

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Nos separamos da chama cinza, ela seguiu outro caminho, eu continuei com a chama branca, fomos até um lugar cheio de muitas chamas brancas e cinzentas, senti cair em meu rosto aquela chama que matava a sede que vinha do alto, era bom, eu nunca tinha sentido desta maneira, fiquei assim por algum tempo, mesmo sentindo meu corpo tremer as vezes.
De repente senti algo diferente, eu sabia o que era, era o mal, muitas chamas caídas no chão se apagando em fagulhas e desaparecendo, senti que uma chama vermelha tinha haver com isso. A chama vermelha extinguiu as demais chamas, era sempre assim. Impedi que a pequena chama fosse adiante.
Uma chama cinza apareceu segurando uma chama completamente vermelha, era preciso  detê-la. Percebi que a pequena chama branca estava longe o suficiente e esperei o ataque vir. Ele me golpeou na perna falsa, ainda bem, a chama vermelha ficou presa nela e com a força  fez minha perna falsa voar longe e a chama cinza  desapareceu, teria caído naquele lugar lá  embaixo? Procurei a minha perna e a chama vermelha que estava presa nela, mas nem sinal delas, a pequena chama saiu de perto de mim, eu a perdi, logo encontrei a minha perna mas sem sinal da chama vermelha que estava  presa a ela. A pequena chama também  não  estava lá.
Procurei pela pequena chama, não  queria perdê-la, vi que ela segurava a chama vermelha e tentou atacar as outras chamas.  O que estava acontecendo com  a pequena chama? eu precisava ajudá-la, mas para isso eu preciso faze-la soltar aquela chama vermelha.
Entramos num confronto, a pequena chama fugiu de mim, mas eu precisava fazer com que ela soltasse aquela chama vermelha, fui atrás  e num golpe certeiro tirei a chama vermelha das mãos da pequena chama,
A pequena chama veio para perto de mim e caiu, a segurei e a coloquei no chão  em segurança longe da chama que matava a sede e que ainda caía, quando de repente a chama cinza se apossou da chama vermelha e ambos se tornaram como um único ser, a chama vermelha manchando a chama cinza e a deixando perigosa, entramos num confronto, eu não  queria exterminar as duas chamas, apenas a vermelha, mas de alguma forma as duas estavam ligadas e ao cortar a chama vermelha a chama cinza se extinguiu.
A pequena chama levantou e me ajudou com meus braços, colocando-os de volta no lugar.
Comecei a sentir algo estranho, uma grande sensação  me invadiu, e um mundo de sons entrou em minha cabeça, ah como doía aquilo, eu não  conseguia ver mais nada, apenas sentir todos aqueles sons ao mesmo tempo, seria da chama que mata a sede e que caía  de cima? Olhei para o alto tentando me acalmar e um outro som, um som triste que vinha de uma chama Clara que estava perto da chama cinza, eu não  suportei ouvir tudo aquilo tudo de uma só  vez. A pequena chama me puxou. A ouvi, mas eu não  conseguia entendê-la.
Saímos  dali, fomos para outro lugar, sentei perto da pequena chama que falou comigo, então  era assim que as chamas se comunicavam, Eu podia ouvi-la, mas era extremamente doloroso em minha cabeça.
- Hyanikin, você está  bem?
Apenas caí com aquela voz, era tão  alto, doía  muito ouvir, essa de todas estava sendo a pior sensação que eu já  recebi, não  sei ao certo se a queria, mas era minha e eu a tinha. Fechei os olhos com força e tampei meus ouvidos, mas era em vão, eu continuava ouvindo tudo muito alto.
- Ainda tem barulho demais para você, não  é? Mas aqui é  tão  silencioso que me dá  arrepios.
Eu não  entendia que língua era aquela, mas começou  a fazer sentido algumas coisas que a pequena chama falava, mas ainda era muito confuso e torturante aquele mundo de sons, todos ao mesmo tempo se misturando em minha  cabeça, a fazendo doer muito.
A pequena chama amarrou algo em minha cabeça que fez aquele mundo de som ficar menos intenso.
- Acho melhor desistimos de procurar assombrações desta vez. A recompensa é  boa mas você  não  está bem para isso.
Por que a pequena chama insistia em falar, eu queria voltar ao mar de silêncio, só  por alguns momentos.
Senti algo vindo de cima era ruim, me preparei para o ataque.
A pequena  chama continuou  falando em vão, eu não  entendia direito  o que ela dizia.
- Hyakkimaru  tem algo ali?
Vi a chama vermelha se aproximar muito rapido do alto, só  tive tempo de desviar dela o som era assustador, me preparei para a luta, eu precisava acabar com essa chama vermelha, antes que ela me pegasse ou pegasse a pequena chama.
Eu não  conseguia ver a chama vermelha  ela se movia rápido demais e sempre vinha do alto, todos aqueles sons que ela fazia estavam atrapalhando a minha visão e eu não sabia de onde ela vinha, tentei ataca-la, mas ela me golpeou, a dor invadiu-me mais uma vez.
- Hyakkimaru  não  ligue para o som! Está  a sua esquerda!
Consegui entender isso, a pequena chama estava me avisando, me virei mas a chama vermelha me agarrou com  força, a dor era grande, a dor que ela me causava com seu aperto e com seus gritos, pela primeira vez senti que não  iria conseguir, a golpeei e caí,  a chama pequena me chamou.
- Hyakkimaru!
Eu estava inerte, eu estava com... medo?
A pequena chama me segurou e eu não  podia fazer mais nada, seria o nosso fim, eu não  conseguia mais ver a chama vermelha, eu só  conseguia sentir a dor do corpo e de todos aqueles sons a minha volta. Eu estava desistindo naquele momento. A pequena chama estava tentando me defender. Esperei o golpe final que não  veio.
Algo irrompeu no ar e a chama vermelha caiu inerte e se extinguiu, ouvi a pequena chama gritar.
-Sacerdote!
- Ah eram vocês, que coincidência.
Fiquei inerte, não  conseguia sair daquele  estado, a pequena chama tentou me ajudar em vão.
- Hyanikin, Hyanikin, aguente firme.
Eles me ajudaram a deitar, meu corpo inteiro  doía  muito, minha cabeça  parecia que iria explodir, eu não  queria aquilo, eu queria voltar ao silêncio  de antes. A pequena chama cuidou de mim, tampou meus machucados, Lembrei que a Chama que me protegia sempre fazia o mesmo, mas eu não  sentia dor e não  me importava com nada daquilo.
A pequena chama continuou cuidando de mim, ela era importante para mim, assim como a chama que me protegia, mas era eu quem deveria proteger a pequena chama, eu era a chama maior.
A pequena chama e a chama cinza conversavam, tentei não  ouvir, já  que eu não  entendia a maior parte do que eles falavam.
- Já  entendi, então  ele recuperou a audição,  que bom.
- Não é  bom Sacerdote, ele ficou mais fraco agora que pode ouvir,
- Como assim?
- Ele apanhou daquela  criatura que até  mesmo você  matou tão  fácil.
- Ora obrigado, hahaha tomo isso como um elogio Dororo.
- Hyakkimaru vai ficar bem, não  vai?
- O pior já  passou. Um pouco de remédio seria bom se tivéssemos.
- Eu posso pegar, eu sei que tem uma cidade aqui perto, vou lá.
- Melhor não  ir Dororo, ouvi dizer que haverá  uma guerra, é  perigoso. Parece que o clã  Sakai traiu um aliado e os dois exércitos vão empunhar as suas espadas em breve. Se estranhos chegarem perto será  suicídio. Foi por isso que voltei e acabei encontrando vocês.
Aos poucos as palavras deles começaram a fazer algum sentido para mim.
Eu não  sabia tudo mas acho que eu estava aprendendo a língua deles.
- Droga, por que samurais gostam tanto de brigar?
A pequena chama falou muito alto, me causando grande incômodo. Se eu pudesse pediria para pararem de falar, mas eu não  podia falar também, eu não  tinha voz, apenas tampei os ouvidos e me deitei de lado, tentando me isolar daquela tortura.
- Desculpe Hyakkimaru, falei  alto demais não  é?
A chama cinza me tocou no ombro, estava doendo.
- Não  se mexe, suas feridas vão  se abrir.
Não  queria que ele me tocasse nem falasse comigo, puxei o ombro e o ignorei.
- Puxa vida. Você  parece um animal ferido perdido em sua caverna.
Eu só  queria dormir sem ouví-los, eu só  queria o meu mundo silencioso de volta.
A chama cinza tentou tirar a minha mão da minha cabeça, ela me puxava com força. E começou  a falar muito perto de mim, me causando mais e mais dor.
- Ouviu isto? É  uma voz humana. Os outros sons são  as criaturas da floresta, o fogo e o vento. Precisa se acostumar com eles para sair da sua caverna e viver neste mundo.
Me deixe em paz era o que eu queria gritar de volta, a dor de ele falar tão  perto de mim era maior que a dor do meu corpo, me deixe em paz, me deixe em paz, me deixe em paz era o que eu queria poder falar para ele.
- Hyakkimaru! ei sacerdote, ele está  ferido não  o force assim, ele precisa de tempo para se habituar
A pequena chama parecia irritada, todos ficaram quietos e eu consegui  dormir um pouco, voltei ao meu mundo de silêncio pelo menos por algum tempo.

Hyakkimaru e Dororo.- Narrado por Hyakkimaru. Onde histórias criam vida. Descubra agora