90 Dias Com Ele

Capítulo 20

O fatídico evento da semana passada tinha mexido com os ânimos de todo mundo. Depois que cheguei em casa tive que ouvir um sermão da minha mãe dizendo que as coisas não se resolviam com violência, mesmo que ela não soubesse o motivo, e isso teria tirado toda a confiança que estava sentindo no momento, se não fosse meu pai atrás dela com o polegar levantado e uma cara de "não a escute, tenho certeza que fez muito bem."

Mas apesar de toda a adrenalina que ainda corria pelo meu corpo, quando deitei a cabeça no travesseiro só consegui pensar se eu ainda veria muitas dessas coisas acontecerem enquanto estivesse com Kyle, e como devia ser desgastante já estar "acostumado" com esses eventos. Como prometido nós fomos à praia no dia seguinte, e ele realmente parecia bem depois da minha enxurrada de perguntas, talvez até melhor que eu. Só fomos embora quando o sol estava se pondo e minha pele ardendo de tão queimada por ele.

O bom de estar de férias é que eu tinha tempo livre até para contar os grãos de areia da praia se quisesse, e nesse dia em específico eu precisava sair de casa a qualquer custo. Era aniversário de casamento dos meus pais, e acho muito romântico eles comemorarem com tudo que tinham direito mesmo depois de 20 anos juntos e duas filhas, mas era simplesmente insuportável o jeito que ficavam melosos durante o dia inteiro. Pela manhã era até fofo ver, mas depois do almoço eu e Jenny só queríamos arrancar nossos olhos das órbitas. E a noite era pior ainda.

Então peguei Daisy e pedalei por quase toda Los Angeles, com minhas paradas já bem planejadas previamente. Assim que Michael me viu na porta de sua casa, por ter sido a primeira vez desde aquele dia, ele ergueu os punhos e fingiu se posicionar para uma luta. Eu revirei os olhos enquanto entrava em sua sala e ele me chamava de Muhammad Ali.

— Eu vou acabar te socando de verdade se continuar. — o provoquei me sentando no sofá, e roubando um pouco de suas batatas chips que estavam na mesinha de centro. Os Waltons passava na televisão, e eu sabia bem que aquele era um momento sagrado para meu melhor amigo, então ficamos em silêncio até que o episódio chegasse ao fim.

Era engraçado pensar que eu sempre morri de amores pelo John Boy, e agora sabia que Michael também, ao invés da tão linda e desejada Erin. Pelo visto tínhamos gostos mais parecidos do que eu pensava.

— Você falou com a Sara esses dias? — ele perguntou assim que o "boa noite John boy" foi falado. Neguei com a cabeça comendo os farelos das chips.

— Vou na casa dela daqui a pouco. Mas sabe quem vive lá agora? — antes mesmo que eu pudesse responder Michael já ria, talvez pelo leve tom de ciúmes na minha voz. Que eu, claro, negaria até a morte. — Desde quando ela e Cassidy viraram melhores amigas? Elas não se odiavam até dias atrás?

— Acabou que elas duas têm muitas coisas em comum, e... bem, você acabou aproximando as duas.

— Quê? — tive que pigarrear para que minha voz não saísse novamente como o grito de um cachorro que teve a pata pisoteada. — Eu não obriguei as duas a conversarem.

— Summer, amiga perfeita que eu amo tanto, você aceitou as desculpas da Cass, e tem passado muito tempo com Kyle também. A vida apenas seguiu seu curso.

Cass? Revirei os olhos. Mas ele estava certo, então joguei uma almofada em seu rosto irritantemente fofo e tranquilo. Michael apenas riu, e segundos depois eu o acompanhei. Conversamos um pouco mais sobre coisas totalmente aleatórias até que o relógio me lembrou que eu ainda tinha mais uma visita a fazer. Daisy me levou até Sara em pouco menos de vinte minutos, e durante eles, não pude deixar de sentir um vazio estranho, como se faltasse algo naquele meu roteiro. E infelizmente eu sabia que faltava algo, na verdade alguém. Mas só de pensar nele, a bile subia pela minha garganta e queimava no caminho de volta. Eu teria que convencer meu coração de que aquele vazio teria que se fechar logo.

A sra. Edwards me recebeu com um sorriso no rosto e um abraço apertado, provavelmente Sara tinha contado toda a situação. A relação delas duas conseguia ser como a nossa, elas compartilhavam tudo uma para a outra, o que acabava sendo até meio constrangedor para quem estava de fora.

— Elas estão no quarto, querida.

Elas. O esforço que fiz para não dar um sorriso amarelo tinha que ser reconhecido até pelos jurados do Oscar. Mas, como num piscar de olhos, todo incômodo ou ciúmes que rondava em meu peito se escondeu em um lugar bem apertadinho quando vi a garota chorando, deitada no colo de Sara. Seu choro era baixinho, como se quisesse evitar que alguém o escutasse, e eu realmente só consegui fazê-lo porque praticamente me escorei na porta entreaberta antes de entrar.

Sara me viu primeiro, e ela apenas murmurou "Isaac" enquanto eu me sentava na cadeira da penteadeira.

— Ele está ainda pior do aquele dia, brigando com meus pais, comigo... — Cassidy fungou e limpou o nariz que escorria, a tempo de me ver sentada de frente para as duas. Dei um sorriso a encorajando a continuar, não querendo atrapalhar seu desabafo. — A gente tinha um combinado de não se falar na escola, até porque eu sou bem mais interessante e ele mancharia minha imagem com aqueles amiguinhos maconheiros dele.

Foi engraçado ver o contraste de reações da Sara, ela revirou os olhos soltando um suspiro profundo, mas continuou acariciando os cabelos perfeitos e brilhosos de Cassidy. Pelo visto as duas realmente se tornaram boas amigas.

— Mas parece que isso passou pra dentro de casa também, ele praticamente ignora minha existência depois que eu o chamei de trinta xingamentos diferentes.

— Não é como se você estivesse errada... — falei algo pela primeira vez desde que cheguei ali. A morena finalmente saiu do colo de Sara e se sentou na cama, limpando o rosto com os dedos.

— Mas ele ainda é meu irmão, Summer. Você é a que mais tem motivo pra ficar irritada com ele, e eu entendo, mas eu queria entender o por quê disso tudo. Isaac nunca foi assim.

Apenas assenti com a cabeça, não querendo prolongar aquele assunto. Isso também já tinha passado nos meus pensamentos, Isaac tinha mudado nas últimas semanas, parecia estar sempre com os nervos à flor da pele, e raramente estava sóbrio. E podia ser egocentrismo, mas me perguntei se o motivo disso tudo podia ser eu, se o ciúmes tinha feito ele me atacar e atacar Kyle daquela forma.

Passamos um tempo em silêncio, todas presas de alguma forma naquele dia e em Isaac, mas o clima logo foi quebrado com a mãe de Sara entrando no quarto com um prato de cookies recém-feitos. Ela quase sempre chegava na melhor hora.

— Bem, aproveitando que você está aqui também, Cassidy, preciso da ajuda de vocês. — falei com a boca ainda cheia, e tirei um papel do bolso, entregando às duas.

Era um convite para um show numa discoteca, e justamente a que pertencia à família de Sara. Seu semblante triste deu lugar a um sorriso animado e ela bateu palminhas animadas.

— Kyle me chamou pra ir amanhã à noite, com ele e o irmão mais velho, mas... — acho que só pela minha expressão de desespero dava pra perceber o problema. E Sara falou ao mesmo tempo com a sua pior imitação da minha pessoa. — eu não tenho roupa!

E já dá pra imaginar no que aquilo se tornou: um quarto com roupas voando, eu servindo de boneca para que as duas testassem as combinações montadas, e uma energia que nos fizeram esquecer pelo menos pelo resto daquela tarde todas as preocupações que nos rondavam. Éramos apenas três amigas, ou quase isso, dando risada e cantando Marvin Gaye as alturas enquanto decidíamos entre calças boca de sino com tecido brilhoso ou vestido com botas que iam até meus joelhos.

Mas o que mais animava era poder passar mais tempo com Kyle, como um casal normal. Já tinha passado mais da metade do verão, e por mais que eu tentasse ignorar, o medo de que ele voltasse para casa e isso nos forçasse a terminar, apenas crescia em meu peito. Jenny dizia que eu deveria apenas aproveitar o tempo que tínhamos, mas eu estava errada em querer que nosso amor tivesse mais do que uma data de validade?