12 - Sincronidade

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A noite estava escura como bréu. Sem candeeiros de rua era impossível enxergar o que quer que fosse. Melinda não sabia como chegara naquele lugar, nem o que a levara até aquela situação, mas queria sair, queria uma luz, algo que lhe permitisse ver pelo menos o chão em que pisava, que não parecia nem um pouco regular.

Por fim viu uma luz, uma luz que estava vindo na sua direção, cada vez mais rápida e assustadora. Aquilo ativou seus alarmes cerebrais. Levou a mão ao sítio do coldre, mas ele não estava lá. O seu instinto dizia para disparar, o perigo aproximava-se rapidamente, mas sem pistola, não havia muito o que podia fazer.

Não era uma luz qualquer. Tratava-se de fogo, fogo em labaredas na cabeça de uma mula. Sentiu formigas no estômago. Não era a primeira vez que via aquela mula sem cabeça, ou aquele fogo tão vivo, mas era a primeira vez que a mula corria até si com tanta pressa. Era a primeira vez que se assustava com aquela criatura. E era a primeira vez que ouvia uma melodia harmoniosa. Esse conjunto de eventos era conflitante. O som não vinha da mula, vinha algures detrás dela. A voz de mulher estava em acapela, mas parecia ter um instrumento de sopro acompanhando, de maneira ilusória. Melinda fez atenção a cada palavra, tentando decifrar algo que nem sabia o que seria.

Um coração rude envenenado
Pela inveja conspurcado
Uma maldição a assolou
Desde então ninguém a salvou

Trotando sob rochas e florestas
Penedos e montanhas além mar
Escondeu-se por meio da magia
Esperando quem a viesse salvar

Era uma melodia bonita. A voz parecia ligeiramente a de sua irmã Lavínia, mas não era a voz dela.

Num segundo a melodia calou-se, a mula desapareceu e seus pés pisaram um chão liso. A sua mãe estava à sua frente, deitada de costas numa mesa de massagens. Um homem que desconhia completamente, que nunca tinha visto na sua vida, a massageava nas omoplatas. Olhou em volta e viu que estava numa biblioteca enorme, daquelas onde é necessário um escadote alto para chegar nos livros mais altos. A diferença era que todos os livros ali eram edições de Estela Aires. Um ciclope apareceu vindo não se sabe de onde. Melinda ficou a ver que nem uma espectadora. A mãe não saiu do sítio, o massagista também não, mas os livros todos, sem exceção, foram aspirados pelo ciclope que parou num instante e deixou os livros espalhados pelo chão. Um deles parou bem na sua frente e ela pegou nele. Estava surpresa. No sítio do nome do autor estava escrito Ezlíria. Apenas isso, sem sobrenome. Em letras grandes, plenas de curvas bem feitas estava o título do livro: Dom de fogo.

Melinda abriu o livro na primeira folha e o livro cantou para si, naquela melodia a capela "Trotando sob rochas e florestas...". Fechou o livro assustada, tentando afastar o som de trotes que sua cabeça imaginava.

Acordou com o som de um martelo na parede, num ritmo igual ao dos trotes no seu sonho. O senhor Artur, seu vizinho, era um carpinteiro reformado, mas não conseguia se desapegar da profissão de sua vida, estava constantemente renovando a decoração de sua casa. Melinda sentiu uma dor de cabeça horrível. Era como se não tivesse dormido, sentia-se mais cansada do que antes de ir para a cama. Achou por bem tomar um paracetamol e tomar a sua refeição matinal que consistia numa tigela de cereais, para não variar.

Dom de Fogo (Completo) Finalista Wattys 2021Onde histórias criam vida. Descubra agora