17 - Revelação sórdida

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Como se despertasse das cinzas, Melinda acordou, olhou em volta e percebeu o que se tinha passado no espaço de segundos. Um claro sinal de que seu cérebro processara os eventos aceleradamente. Sua última memória estava clara e límpida. O seu reflexo no espelho de corpo inteiro, a cinco centímetros da entrada da cozinha do laboratório. Lembrava-se de interrogar no que é que Raúl pensava fazer com aquela couve que pegara para o seu tio Ernesto transformado em coelho. Lembrava-se de pensar, porque raio estava um espelho precisamente naquele lugar e então ela viu o seu reflexo, os seus olhos numa cor que não saberia definir totalmente, diria que era o tom entre o vermelho e o laranja; as fendas em seu rosto, rasgando sua pele e deixando flamas brilharam e escaparem. O seu cabelo estava dançante, como o de uma actriz numa cena de aparição espalhafatosa, de um ruivo escaldante, mais vivo que nunca. Ao mesmo tempo que sentia estar vendo outra pessoa, no fundo de seu coração sentia que aquela imagem estivera sempre lá. Uma memória de dezesseis anos antes a atingiu como um raio. Aquele dia em que ela matara Lourenço. Sim, ela matara-o, a pistola disparara, mas ela não tinha carregado no trinco, algo de sobrenatural aconteceu. Agora sabia, ela aconteceu, aquele seu calor que parecia ter subido dos infernos aconteceu. Mas se o calor pertencia ao mundo de Belzebu, porque é que era tão agradável? Sentir aquele calor como seu, como reconfortante e acolhedor fazia dela má pessoa? Fazia dela um demónio do submundo? Afinal quem ela era?

A carta...

Aquela carta...

O que ela dizia mesmo?

"Precisas saber o que significa aquilo que sentiste toda a tua vida, teus sonhos insistentemente bizarros, o calor anormal que te percorre o corpo quase o tempo todo, a sensação de vestires uma pele que não é tua."

O calor anormal que te percorre o corpo.

Bem que L.M. podia aparecer e explicar aquilo tudo. Fosse quem fosse parecia saber mais sobre si do que ela mesma.

- Espera aí - sussurou, sem sequer se aperceber - L.M. significará La Muerte?

Mal havia cogitado a ideia pensando alto, que a porta do quarto abriu-se fazendo-a temer que a tivessem escutado e quando viu quem era, Melinda realmente desejou não ser o caso. De todas as pessoas que podiam ter entrado no quarto, aquela era a última que ela queria ver.

As feições não haviam mudado muito com os anos, apesar de fazer menos de seis anos que a tinha visto pela última vez, na tentativa de encontrar uma pista que a levasse até ao raptor de seu irmão. A prisão não parecia ter debilitado praticamente nada a sua beleza, pois não havia como negar, Estela Aires era uma mulher bonita, possuidora de uma genética invejável. Os seus cabelos tinham sido pintados e arranjados no cabeleireiro. Com certeza um luxo que ansiara oferecer-se após se ver em liberdade. Os seus olhos azuis continham a mesma frieza que há dezesseis anos atrás, a sua pele continuava branca e quase lisa. Apenas algumas pequenas rugas nos cantos dos olhos contavam que o tempo também tinha passado para si. Conforme crescia, Lavínia estava cada vez mais perto de ter aquela imagem que Melinda via à sua frente. Sabia que não precisaria de esperar muito para sua progenitora abrir a boca e dizer algo. Somente ver aquela mulher a fez sentir-se aprisionada àquela cama. Aquela era uma situação que nunca imaginara vir a viver. Preferia ficar fechada num quarto com um cão raivoso. Os olhos da sua progenitora, unindo ao facto de estar deitada numa cama de hospital faziam dela alguém vulnerável. Melinda detestava ficar vulnerável a alguém. A sua profissão ensinara-a a nunca se deixar ficar nessa posição e no entanto ali estava ela. Não podia ter previsto desmaiar e ser visitada por a senhora escritora que o resto do mundo achava ser uma pessoa boa, embora tivesse passado dezesseis anos na prisão. Era que nem aquele apresentador famoso acusado de pedofilia. O homem cumprira uma pena de quinze anos e mesmo assim milhares de pessoas pregavam a sua inocência aos sete ventos só por ele aparecer na televisão e ter atraído por isso a simpatia de muita gente. Pessoas famosas eram muitas vezes julgadas inocentes por isso mesmo, serem famosas. E sua mãe era famosa.

Dom de Fogo (Completo) Finalista Wattys 2021Onde histórias criam vida. Descubra agora