11 - Bicho-papão

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"Vai-te papão, vai-te embora de cima desse telhado, deixa dormir o menino um soninho descansado

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"Vai-te papão, vai-te embora de cima desse telhado, deixa dormir o menino um soninho descansado."

Antes

Aquela musiquinha, vestida de inocente, chegava ao seu ouvido e deixava sua mente dormente. Fazia-a sentir medo, mas não falava nada, não queria que sua avó ficasse triste. A mulher pensava que estava fazendo uma coisa boa.

Na verdade, no telhado, o bicho-papão esperava que a mulher, de mente convencional e retrógrada saísse do quarto da neta para ele puder entrar. Dava-lhe gozo atacar quem pensava que poderia mandá-lo embora com uma musiquinha de embalar. Quem aquela mulher achava que era? A deusa do destino ou alguma força do gênero? Ela não era nada, nadinha em comparação a ele. E ele tinha tantos nomes e formatos, que até se esquecera ao que se parecia realmente. Ele tomava sempre a aparência do medo de quem o via. Descobriria o que era, quando estivesse à frente da garotinha.

Enfim a velha partira e ele entrara. Gostava de o fazer com uma certa lentidão. A sua sombra projectada pelos candeeiros noturnos da rua eram um bónus a cada entrada. O medo começava aí e era delicioso. Abria-lhe o apetite e fazia-o criar expectativas inebriantes.

A pequena menina tinha os olhos fechados, para seu desgosto. Não viu a sua sombra apavorante, mas sem ele saber, ela sentia a sua chegada. Ainda que não soubesse como explicar se lhe perguntassem, ela por vezes sentia coisas que os outros não sentiam. Previa acontecimentos antes de acontecerem e isso sempre diminuía a dor. O efeito surpresa, então, era algo que não acontecia muito. Ela sim, era surpreendente, mesmo apenas com oito anos de idade.

Ao entrar no quarto, a criatura preversa aproximou-se da mocinha e emitiu um grunhido alarmante, de fazer tremer varas de trigo. Queria que ela abrisse os olhos para poder assumir uma forma. Era assim que funcionava, para cada criança, para cada uma ele adotava um aspecto diferente, mas elas olhassem para si, mas elas precisavam olhar e a pequena menina ainda tinha os olhos fechados.

Grunhiu mais uma vez.

- Oi - falou a criança, de olhos fechados - Não me pode obrigar a abrir os olhos.

A criatura quase tropeçou nas próprias pernas que pareciam dois palitos de cera. Seria aquilo real? Nunca fôra surpreendido antes, então aquilo consternava-o. Nunca acreditaria que fosse possível, nem que o tivessem avisado de ante-mão.

- Quem disse que não posso? - perguntou ainda com a voz parecendo um rugido.

- Eu digo - constatou a criança. Nada em seu rosto sugeria medo ou nervosismo.

Seu rosto era dócil como o de um anjo. Parecia dormir, só estava evidente que não era o caso porque estava falando, mas a criatura não rejeitou a hipótese de ela ter sonilóquio, a fala que ocorre durante o sono.

A criatura não reagiu imediatamente. Olhava a criança incrédulo. Ainda estava difícil de acreditar em toda aquela situação fora do padrão. Do seu padrão.

Dom de Fogo (Completo) Finalista Wattys 2021Onde histórias criam vida. Descubra agora