O que mais doía em Harry era ter ouvido de seu melhor amigo de anos aquilo que mais podia o machucar. Liam sabia todas as suas fragilidades. Todas. E as usou contra ele de propósito, sabendo que iam o machucar profundamente - e no final das contas, essa era sua real intensão.
Em alguma instância o cacheado sabia que Liam estava se defendendo de qualquer forma que podia, porque não estava suportando mais entrar em contato com suas próprias dores e era exatamente isso que Harry estava o empurrando a ver. Mas isso não lhe dava o direito de falar o que foi dito.
Sua raiva não vinha exatamente de não poder pagar o aluguel, ou de ajudar mal e porcamente com as contas ou ter que contar moedas para ter qualquer coisa que seja. A raiva que o consumia, queimava suas veias e o fazia querer socar qualquer um na sua frente vinha de sua impossibilidade de realização na sua profissão.
Harry era artista.
A r t i s t a.
E sobre essa palavra já recai um peso de milhões de toneladas. O artista é marginalizado por natureza, procura suas maneiras de sobreviver metendo a cara a bater o tempo todo e isso era imensamente desgastante às vezes.
Ele queria fotografar aquilo que os olhos dele enxergavam de mais horrível, de mais belo, de mais importante, de mais precioso, de mais HUMANO existentes na sociedade. Ele queria que o mundo pudesse ver todo o caos e todo o paraíso que ele via através de suas lentes, mas essa jornada só parecia não ser fácil para ele, em nenhum aspecto.
Comprar uma câmera de qualidade tinha sido na base da labuta, conseguir um espaço na galeria do pai de Danielle como mero assistente tinha sido na base de muita encheção de saco, conseguir uma promoção na galeria, só depois de doar sua alma para àquela instituição e quando seu trabalho seria possivelmente exposto, a galeria queima.
Fogo.
Fogo queima toda a possibilidade de progresso, de realização. Queima tudo o que Harry tinha construído, com muito trabalho e dedicação.
Danielle perdeu a galeria, teve que ser vendida por questões financeiras. Harry teve que voltar a trabalhar na padaria que trabalhara por muitos anos e dar um pause gigantesco na sua vocação.
Sair do apartamento com sua câmera na mão depois da flechada que Liam lhe dera no peito foi a única forma de equilíbrio que ele encontrara. A câmera lhe deu estabilidade para caminhar para fora e sair na rua, sem detonar nada ou parecer um maníaco. O peso da lente em suas mãos o puxava de volta à Terra, a sua gravidade, às suas raízes.
Se tinha algo que Harry havia aprendido e levado para a vida como ensinamento, era o que sábias senhoras yorubás haviam lhe dito no processo de pesquisa em seu último trabalho na galeria, quando havia ido até a África para registrar a cultura desse rico povo, em especial a dança de origem africana.
"Os pés, o coração e a cintura pélvica são as partes do corpo mais importante para nós. É onde se encontra nossas raízes, nossa energia vital e nossa fertilidade/continuidade da nossa história respectivamente. Com nossas raízes firmes no chão, conhecendo e honrando de onde viemos, podemos sentir e vibrar a nossa energia vital com toda sua potência, sendo capaz de passar a diante nossos propósitos e ensinamentos"
Tal preciosa sabedoria nunca mais saíra da cabeça de Harry.
Ele precisava enraizar-se, focar em seus propósitos mais íntimos para finalmente conseguir sair desse ciclo interminável de insucesso, escassez e raiva, muita raiva.
Sair com sua câmera fotográfica nas mãos foi o que precisava para pesquisar seus novos propósitos, fixar suas raízes novamente.
Ele caminha pelos arredores do apartamento sem pensar muito bem para onde iria. Seu foco estava em encontrar algo que o chamasse atenção, algo que fosse de importância a ser retratado, algo que o colocaria em fluxo contínuo de produção sem pudor algum.
Alguns bons minutos se passaram até que Harry avistasse uma silhueta um pouco a frente de si. Rapidamente ele reconhece a maneira rígida de caminhar e o foco indissociável. Era Louis.
O cacheado queria muito acreditar que ele não seria interessante para sua pesquisa, mas seu instinto foi ligar a câmera e visualiza-ló através da lente.
A bolsa que o menor segurava em suas mãos gerava um peso para seu lado direito que entortava levemente seu corpo para o lado - algo não muito perceptível a olho nu. Suas panturrilhas estavam tencionadas a ponto dos músculos estarem quase que esculpidos. A junção desses dois elementos expressariam toda a rigidez e foco que Louis continha em todo seu corpo, em toda a sua mente na forma de pensar e em toda a sua expressão facial.
Ele aperta o botão.
Ainda caminhando atrás de sua paisagem de estudo, Harry percebe outro aspecto interessante.
A sua mão direita segurava um cigarro com muita delicadeza, enquanto a mão que segurava a mala pesada estava fechada em punho, quase que esmagando os próprios dedos. A contradição existente em Louis, a delicadeza de seu toque com a violência de seu olhar e palavras era transmitida translucidamente pelo tônus de suas mãos.
Mais um clique é dado.
Elevando a lente, a nuca do outro é avistada. E ali, escondida pelo cabelo, havia uma tatuagem, uma forma irreconhecível. Harry se intriga com tal mistério, tão constituinte da personalidade do outro que
clica mais uma vez.
De repente, a silhueta some da lente. O cacheado abaixa a câmera e percebe que Louis havia dobrado a esquina. Ele acelera levemente os passos para avistar aonde o outro ía. Em alguns segundos depois, vira a esquina e se depara com o menor adentrando um clube de esportes. Harry relembra o dia em que conheceu Louis pela primeira vez em seus shorts de futebol, seu cabelo molhado de suor e suas mãos completamente lavadas de sangue no dia em que eles tinham se mudado para o apartamento.
Fazia tempo, pensara.
Algo havia deslocado Harry daquela raiva que sentia anteriormente para uma materialização muito clara do que via através de fotos. A silhueta de inspiração da vez tinha sido Louis e por mais que os dois não tenham se dado bem de forma alguma, a ponto de nunca mais terem tido contato, Harry não deixaria escapar tal oportunidade de auto-desenvolvimento. Ele precisava produzir.
Produzir era uma necessidade iminente à sua saúde mental.
"Fotografar ou morrer!"
Sem nem saber como abordaria o outro em prol de convence-lo a ser fotografado, Harry corre em direção à Louis antes que ele adentrasse o clube e o impedisse de passar pelas catracas.
Harry correu como se sua vida dependesse disso.
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Fanfiction• Larry & Ziam fanfic • (Reescrita) "O romântico perde o brilho na vida real bruta. O afeto se da em parcelas dispersas e impermanentes. Somos essencialmente impermanentes." Sabendo da impermanência das coisas e pessoas em um mundo de relações líq...