Capítulo 11 - Âncora

53 6 0
                                    

— Louis! - um grito ao longe o faz olhar bruscamente para trás.

Ah, não.

Por que a vida insistia em colocar Louis em uma situação desconfortável a cada minuto? Era absurdo a capacidade de importunação que Harry tinha. Seu estômago era embrulhado em raiva quando seu olhar pairava no outro.

Sua reação automática foi passar o cartão de sócio do clube o mais rápido que podia e passar pela catraca, se encaminhando para dentro. Assim que suas pernas empurram os pilares da catraca, seu braço direito recebe uma leve pressão em seu contorno.

Por que ele era tão invasivo?

— Louis! Por favor.

Seu tom de voz era de súplica, mas soava na orelha de Louis como uma manipulação.

— O que você quer? — O braço preso pelo outro era o da mão que segurava seu cigarro. Louis só queria um trago — Me solta, cara.

Harry tenta olha-lo nos olhos, mas o menor desvia o olhar.

— Eu sou fotógrafo. - Ele mostra sua câmera, o outro apenas encara o objeto de forma a ser um escape de seus olhos — Faz muito tempo que eu não fotografo e ver sua silhueta hoje, por acaso, me despertou uma vontade absoluta de produzir. — Louis bufa — Me deu um propósito. — Harry respira fundo, buscando forças e fôlego — Me enraizou na percepção que antes eu queria ter e não conseguia de jeito nenhum.

Louis tenta de todo jeito se soltar dele.

— Louis, não vou te atrapalhar. Eu só quero te observar. Quero expressar o que vejo através de você pela minha lente.

Louis consegue se soltar bruscamente e caminha para dentro quase que marchando.

— Essas imagens não vão para lugar nenhum sem a sua autorização. Não pretendo mostra-las a ninguém, é uma pesquisa minha.

Louis continua caminhando, sua silhueta ficando cada vez menor. Harry fala mais alto.

— Eu não vou te atrapalhar, Louis. Eu prometo.

Louis vai sumindo de seu campo de visão. Harry grita em sua última esperança com a raiva sentida anteriormente sendo novamente revisitada.

— Eu só estou tentando encontrar a âncora que me possibilite fixar minhas raízes, sabe? É muito mais sobre mim do que sobre você, Lou. Acredite!

Suas últimas tentativas soam como um choro preso que desata o sofrimento antes sentido com as afrontas de Liam. Louis some de seu campo de visão completamente. Ele suspira.

— Ó, Tupã
Deus do Brasil
Que o céu,
Enche de Sol,
De estrelas,
De luar
E de esperança

Ó, Tupã
Tira de mim,
Essa saudade
Anhangá me fez sonhar
Com a terra que perdi.

Harry, em descrença e sensação de vazio, canta uma das canções aprendidas em uma das vivências que havia tido no Amazonas - Brasil, em um dos projetos da galeria. Ela o remetia à viagem, que tinha sido de extrema dificuldade pelo intemperismo que vivenciaram nas trilhas pelas terras indígenas da região, mas que no final foi extremamente gratificante pela esperança que deu ao seu trabalho e à sua vida.

Essa esperança da música era quase que um grito de socorro quando ele se via em uma enrascada sem saída.

Sua maneira de resistência foi esperar.














Esperar bastante.




















Esperar imensamente.
















Quase três horas depois, Harry tinha sua câmera nas mãos, observando tudo o que podia através das lentes, já sentado na calçada do clube. A sorte foi que uma segunda bateria carregada estava no bolso acoplado da bolsa da câmera e então sua pesquisa pode continuar sem interrupção.

Sem que Harry percebesse, Louis passa pela catraca de forma completamente diferente de que quando havia entrado. Seu semblante agora era calmo, seu corpo suado e seus passos mais leves. Ele segue seu percurso para virar a esquina e se dirigir ao prédio de seu apartamento e é apenas nesse momento que Harry o vê através da lente.

O cacheado da um pulo e se levanta rapidamente para acompanhá-lo. Através da lente, ele o observa. Sua silhueta havia mudado. A bolsa que antes era levada na lateral do corpo de forma rígida é levada agora quase que displicentemente nas costas, com a mão segurando a alça apoiada no próprio ombro. Seu tronco agora estava relaxado, levemente curvado para a frente.

Que bonito era ver as diferenças de estado mental e físico que o exercício lhe causavam.

Um clique foi dado.

Harry percebe a outra mão relaxada na lateral do corpo, os cinco dedos caídos com o peso da gravidade sem nenhum tipo de resistência ou tensão.

Clique.

A nuca vermelha contornada pelos cabelos suados e grudados entra no campo de visão da câmera. O símbolo tatuado nela, por sua vez, está a mostra e Harry se surpreende.

Uma âncora.

Uma âncora em traços fortes.

Talvez ele finalmente tivesse encontrado a âncora que o auxiliasse a fixar suas raízes.

Cabelos suados, nuca, âncora.

Mais um clique foi dado.

Harry suspira profundamente, olhando Louis pelos seus próprios olhos dessa vez. Era incrível como o menor parecia cada vez mais distante dele na medida em que ele tentasse se aproximar. Talvez a saída fosse exatamente possibilitar o encontro, sem a aproximação.

Tal conclusão havia feito sentido na cabeça dele. Ele deixaria Louis em seu espaço seguro, mas não desistiria de fotografá-lo.

A contradição disso tudo era o que dava sentido para a captação das imagens.

Louis teria seu espaço.

PermanentOnde histórias criam vida. Descubra agora