Capítulo 1 - Recaída

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Louis não precisava levantar o olhar para saber que Zayn o olhava de canto, procurando uma brecha para dizer algo que soasse totalmente despretensioso, quando que, na verdade, suas palavras sempre tinham um objetivo muito claro e ultimamente muito perceptível para quem as ouvia.

Quando ele o olhava assim, Louis se sentia como aqueles jogos Sudoko de nível avançado em que as pessoas passam horas tentando descobrir um mísero número para completar a lacuna em branco, sendo que muitas vezes o número que precisa ser modificado é o de uma outra lacuna, não aquela observada durante horas.

Sua matemática era simples. Zayn havia perdido o olhar estratégico e geral acerca das coisas.

Zayn havia perdido o olhar sobre as coisas.

Zayn havia perdido o olhar sobre as pessoas.

— Você não cansa, né?

Comentário despretencioso, claro. Assim como sua despretenciosa vinda.

A bola já parecia mais macia que no treino. Talvez Louis finalmente tivesse conseguido amaciar a borracha nova só no meio tempo da saída de Kevin, até a chegada de Zayn.

Kevin era um fraco mesmo, Louis ri.
Reclamava tanto do impacto dela nas suas mãos frágeis de goleiro burguês que lembrando, Louis continua a rir sozinho.

Zayn franze o cenho percebendo que sua tentativa falha de aproximação só o afastou de volta para seus devaneios. Ele observa o campo vazio e parcialmente iluminado. Observa Louis focado em dinamizar sua condução de bola, rindo para os próprios pés enquanto suas costas pingavam em suor.

Louis passava a bola de um pé para o outro ligeiramente, procurando uma precisão cirúrgica. Parecia a precisão estabelecida pelo movimento espasmódico de um autista ao bater no próprio peito em um ataque de pânico, pensara Zayn.

Ok, talvez esse fosse um diagnóstico extremado.

O zelador do clube aparece no canto direito da saída principal, observando se Louis já havia terminado seu treino individual, se ele já poderia finalmente desligar as luzes, fechar o clube e voltar para sua casa a tempo de jantar com a família. Zayn percebe de longe o aspecto cansado do funcionário e encontra a brecha que precisava.

— Você não acha que está na hora de ir?

Louis não tirou os olhos da bola, mas sabia que ele se referia ao zelador que chegara para desligar o restante das luzes.

O objetivo das palavras de Zayn era tão claro que chegava a ser engraçado, seu tom despretensioso virava uma camada à parte de sua fala, virando uma espécie de armadura.

Como se Louis não conhecesse o zelador desde sempre, como se não conhecesse os horários de funcionamento do clube, como se eles não conversassem todas as noites sobre como o futebol perdeu a força esportiva depois dos 90 e havia se tornado uma espécie de vitrine de estrelas, como se aquele momento depois do treino não fosse algo que o zelador já esperasse que Louis fosse fazer.

É, Zayn havia perdido o olhar estratégico e geral sobre as coisas.

— Você sabe Billy, por mim, a hora de ir nunca chegaria...

Billy ri, balançando a cabeça levemente.

Eles já haviam conversado sobre o quão importante o futebol era para Louis. Billy era extremamente compreensivo, o incentivava a treinar o máximo que possível, por isso combinava de deixar o campo como último local a ser fechado. Louis gostava de Billy.

Gostava também da energia que subia do gramado, do suor que ainda refletia na grama depois do treino, das falhas que as chuteiras causavam no relevo perfeito do verde, no sorriso cansado e sincero de Billy quando ele saía e da caminhada pela rua tranquila do clube até chegar a Avenida movimentada.

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