15 anos antes (Lisboa – Portugal)
FERNANDO
Já passa de meia noite e ainda estou a concluir o trabalho de Neurocirurgia para entregar amanhã cedo...
A porta bate com um estrondo forte. Levanto a cabeça rapidamente e minha mente já se encontra a prever problemas.
— És um filho de uma puta desgraçado! — o meu irmão grita com a voz arrastada que denuncia a embriaguez rotineira — Ficas a posar de senhor perfeito para todo mundo... agora, eu... eu sei o que o grande Fernando de Castro estás a fazer todas as noites, eu sei de tudo... Tu naquele clube...
Isso não pode acontecer... Como é que ele descobriu? Agora é que não conseguimos o perdão do nosso pai... agora é que a nossa família nos vai virar as costas.
— Sabe o que tu és? Tu és um desgraçado mentiroso. Acabaste com a minha vida — continua gritando — Tu és um dissimulado, não passas de um gigolô, a pegar tudo quanto é mulher e ficas a fazer-te de santo! — Ele vai até a estante e atira-a para o chão. Está transtornado! Eu não consigo dizer nada... João está fora de controlo... Agora toda a gente vai ficar a saber o que eu faço todas as noites... todas aquelas mulheres... A vida de orgia... Não serão capazes de entender que eu precisei fazer... Por nós...
— Fica colocando aquela betinha¹ da Luiza no meu pé, agora fodeste com tudo Gajo... A betinha tá grávida!! Grávida, dá para entender?? — Ele bate com a cabeça na parede em desespero — Eu já sou um fracasso sozinho, faço uma merda atrás da outra, o que vou fazer com um filho agora? — ele chuta tudo que encontra pela frente — Isso é tudo tua culpa... tua culpa... Sempre foi o queridinho e perfeito filhinho do papai, nada que eu fazia era comparado a ti... Tu és uma farsa, uma mentira, um desgraçado de merda, hipócrita.
Seguro a sua camisola² pelo colarinho e faço-o parar e me olhar.
— Não tens o direito de me julgar. És um irresponsável de merda! — Ele olha-me com raiva, ódio, vidrando os olhos com os meus. — Saí daquela casa, abandonei tudo para cuidar de ti. Fiz tudo para não vos deixar destruir ainda mais a tua vida com esses delinquentes que andas. — Dou uma sacudida para que ele preste atenção às minhas palavras — Estar a se definhar de tanta droga. Apronta-te uma encrenca atrás da outra. — Solto o ar dos pulmões. Estou a Tremer de raiva. — Eu tenho tentado de todas as formas, por todos os caminhos e tu ficas assim... a afundar-se cada vez mais. Sabes por que eu tenho que ir àquele clube? Para nos manter aos dois aqui... ou achas que meu emprego de meio período de garçom vai manter vossas bebidas, vossas festas? — Eu me descontrolo e o atiro sobre o sofá.
Ele cambaleia e tenta levantar-se, com ódio nos olhos, grita:
— Eu não pedi nada a você, deixe-me em paz a cuidar da minha vida, vai tu, aquela betinha e esse filho à merda. — Ele pontapeia tudo que está em sua frente. — Sabes o que vai acontecer? Sabes o que vai ser da vida da Luíza agora? Ela vai ser mãe solteira. A família dela não a vai aceitar... ela vai ser abandonada como eu fui...
— Ela sempre te amou João, sempre fez tudo por vós, mas tu só tiveste olhos para aquela bandida que te jogou no fundo do poço, arrancou-vos cada centavo, tirou-te tudo que tinhas, até a mim... ela é que acabou contigo. Merda!
— Não fala assim da Nati. — Ele vem com tudo para cima de mim e empurra-me. Eu caio no chão e ele começa a pontapear-me. — Ela é a única que está ao meu lado, que sabe o que é viver na sombra do outro. — Ele abaixa a cabeça, passa as mãos no cabelo puxa os cabelos em desespero. — Sabe o que vai acontecer? Ela vai-me abandonar. Por causa desse filho. Ela vai-me abandonar... — Ele vem para cima de mim e me levanta pelo colarinho. — Se isso acontecer eu vou acabar contigo, assim como tu acabaste comigo. É tudo vossa culpa... esse filho é vossa culpa... essa merda de vida é vossa culpa. — Ele atirou-me para o chão, passa a mão na chave do carro e sai correndo batendo a porta.
— João, volta aqui — grito enquanto vou correndo atrás dele. — Tu não podes sair assim — Ele não para, entra no carro e grita:
— É tudo vossa culpa. Seu desgraçado!
Sai com o carro em disparada.
Eu não posso deixá-lo sair dessa maneira, está transtornado, volto para casa pego a chave da minha moto e vou a sua procura noite a fora.
Tudo que o João me disse está a martelar a minha cabeça. Não sei como posso resolver tantos problemas. Tudo se complicam cada vez mais... Ele precisa de ajuda. Tentei todo tipo de tratamento, mas ele sempre volta para o vício.
Vejo um movimento em frente da avenida e o meu coração para. Muitas pessoas se aproximam e correm... Não pode ser... Não pode ser... O carro de João! Meu Deus!! Nãaaaaaao... É minha culpa!! É minha culpa!!
1- Gíria portuguesa referente a mulher muito preocupada com a elegância e aparência. Mesmo que a patricinha no Brasil.
2- Termo utilizado em Portugal, referente à camisa no Brasil.
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A Dona do Show - Degustação
Romance"Ela é uma mulher empoderada, bem resolvida e independente. Assume sua posição e não se preocupa com a opinião dos outros." Iara é uma empresária bem-sucedida da área de show e entretenimento na cidade de Salvador na Bahia. Ela é solteira e não quer...