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"Lá vem o Sol
E eu digo: está tudo bem."
HERE COMES THE SUN — THE BEATLES

A contragosto, Flynn tinha que admitir que a viagem estava sendo bem melhor que imaginara.

Algumas horas antes, quando entregara o globo de neve a Madison e ela dera um de seus sorrisos radiantes, ele sentiu uma alegria estranha o aquecer por dentro. E ele se deu conta de que não era doença alguma: alguns dias ao lado dela tinham sido suficientes para ele começar a gostar de sua companhia.

Talvez nem estivesse mais no começo, pra ser sincero. O que ele só fazia quando deitava a cabeça sobre o travesseiro a noite e se permitia pensar em tudo que estava acontecendo. Nunca fora fã de companhias quase ininterruptas, e prova disso eram os longos anos que vinha morando sozinho.

Não estava sendo ruim como ele imaginara, porém. E isso o intrigava. Porque se ele, que era especialista em procurar defeitos e reclamações para realizar, não tinha encontrado nenhum deles, algo estava mudando dentro de si.

E isso o assustava. Muito.

Será que estavam virando amigos? Flynn não sabia exatamente como era tê-los. Keith era a única pessoa para a qual ele se abria sinceramente, e somente depois de muita pressão e angústia. Tinha tido alguns amigos na faculdade, mas depois do diploma tinham se tornado colegas que se encontravam pouco mais de uma vez por mês para conversas triviais.

Nunca se importara em agradá-los com chocolates ou globos de neve. Do presente mais fútil ao mais delicado, ver o sorriso de Madison os recebendo tinha feito um alívio peculiar espalhar por seu corpo inteiro. Ele queria, mesmo sem saber, que ela os amasse. Sua aprovação o deixara mais feliz do que desejava.

E, pelos céus, desde quando a aprovação de alguém deveria importar para ele? Ainda mais dela, que era uma quase estranha colega de ensino médio até a semana passada?

Ele suspirou. Não conseguiria dormir tão cedo. Não faria mal usufruir da vista da varanda, porém.

Ele se sentou no banquinho que Madison permitiu que ele arrastasse até ali. Mais algumas cobertas foram necessárias, diante do frio descomunal daquelas montanhas, mas valia a pena. Levantando os olhos para o céu, ele sentiu que a confusão dentro de si poderia ter proporções menores.

As constelações brilhavam sobre aquele céu azul escuro, algumas vezes cobertas por árvores altas e típicas da região. Como era esquisito para ele sentir aquela paz tomar conta de si olhando um céu salpicado de estrelas. Tudo parecia pequeno diante daquilo, sem importância.

Era exatamente o que Flynn precisava. E ele ficou ali por um longo tempo, somente em companhia das muitas camadas de roupa e uma cobertura de estrelas sobre si.

*

No dia seguinte, Madison fez questão de ignorar a linda vista do nascer do sol que poderia contemplar para aproveitar algumas horas de sono. Tinha passado a noite quase toda terminando de ler Jane Eyre, e tudo que conseguiu pensar por um tempo foi nos acontecimentos da história.

Bingley não pulara na sua cama, ainda bem. Ele já tinha se acostumado a paixão de Madison por noites estendidas, então ela pôde dormir até pouco mais de dez horas. Ela saiu do seu quarto animada, o que só acontecia quando podia escolher a hora de levantar da cama. A possibilidade de escolha fazia toda a diferença.

Qual foi sua surpresa a encontrar Flynn na sala de descanso! Ele estava, é claro, contrariando totalmente o propósito da sala. Um tablet, canetas e papéis estendiam-se na sua frente, na mesa que ela tinha certeza que fora feita para apoiar livros ou objetos de lazer, não trabalho.

Luzes congelantes | CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora