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— Perambulando pelos lugares mais sujos de Londres em plena luz do dia, Vossa Graça? Dessa forma, sua preciosa reputação vai desabar — começou Robert, sarcástico, fechando a pesada porta de madeira atrás de si.

Assim que Fernando deixou a casa de Magdalene, ela se apressou em fazer o mesmo. Trajando um sobretudo preto, botas e o chapéu de caça de seu pai, esgueirou-se pelas travessas encardidas e sufocantes da cidade sob o olhar exasperado — e por vezes admirado — dos sujeitos mais desprezíveis que já havia visto em toda sua vida. De qualquer forma, não era como se estivesse traçando aqueles caminhos pela primeira vez; na verdade, Magdalene conhecia muito bem cada viela e todas as tavernas e clubes que salpicavam as ruas estreitas como flocos de neve.

— Sei me esconder tão bem quanto você; não precisa se preocupar — Magdalene parou na frente da porta e analisou o ambiente por alguns segundos antes de tirar o chapéu e o sobretudo e jogá-los nos braços de Robert — Aliás, esse título de nobreza não me pertence.

A porta dos fundos do cassino pelo qual entrara dava para uma saleta anterior à cozinha do estabelecimento. Era equipada com um bar repleto de bebidas engarrafadas em recipientes antigos e três cadeiras na frente do balcão de mogno. Na parede oposta ao bar, uma cabeça de veado empalhada preenchia a parede escura atrás da qual se erguia uma escada caracol que direcionava para o salão principal do cassino.

— Claro, claro... Oh, a senhorita não deveria fazer isso por conta própria. Poderia me deixar pelo menos servi-la? — Robert perguntou com um sorriso assim que a outra atravessou o ambiente e se dirigiu ao bar, servindo-se de um copo de uísque.

— Pela forma como estou bebendo uísque antes mesmo de ter escurecido, acho que não sou sequer digna de ser servida — disse, em seguida virando o copo num só gole — Acho que isso diz muito.

Os dois riram.

Fora de seu corpete estupidamente apertado — vestindo apenas calças e uma camiseta abotoada —, dentro do antro mais escandaloso de toda Londres e frente a frente com um dos maiores destruidores de reputações da cidade, Magdalene poderia dar adeus à aristocracia. Bebendo uísque às quatro da tarde dentro de um cassino para canalhas miseráveis, poderia sair da boneca de porcelana imaculada que construíra para si mesma. Talvez porque ela mesma fosse apenas mais um daqueles canalhas. Neste momento, mais ainda do que vestia roupas masculinas, Magdalene vestia o escândalo — e da forma mais pecaminosa que qualquer outra mulher da alta sociedade jamais se atrevera vestir.

— Gostaria de subir? Acredito que lá em cima tenhamos algo melhor para beber — ela lançou um olhar ofuscante a Robert, que transparecia algo que ele provavelmente devia ter identificado mas não conseguiu. Seus olhos azuis eram quase sempre indecifráveis — Não é pelo gosto da bebida que está bebendo. Estou certo?

— Certamente.

— O que foi dessa vez? Aquele garotinho tolo decidiu te importunar novamente? — perguntou — Eu daria tudo para quebrar seu nariz.

— Você precisa aprender a controlar sua raiva, Robert. Não precisa descontar suas frustrações em qualquer um que te incomodar minimamente.

Robert calou-se, lembrando-se de como havia deixado o sócio ensanguentado no chão, dois andares acima, há pouco tempo. Magdalene sempre conseguia desarmá-lo mesmo sem se dar conta disso.

— Bom, vamos subir, podemos conversar lá em cima. Posso pedir para William preparar algo para você comer antes que o cassino abra.

Assim que subiram a escada caracol e passaram pelas portas vai e vem, Magdalene soltou uma exclamação, admirando a exuberante decoração que adornava o enorme salão onde a maior parte dos jogos e aberrações ocorriam durante a noite. A iluminação fraca atribuía uma atmosfera etérea ao ambiente. Do teto pendiam tecidos escarlates que se erguiam até as grandes colunas laterais de mármore as quais sustentavam as salas do andar superior. As mesas cobertas por toalhas de veludo estavam milimetricamente dispostas pelo recinto. Os vitrais das janelas deixavam pouco da luz natural entrar — já que a maioria deles ficava coberta por trapos durante o dia —, o que ressaltava a misticidade do ambiente. Em algumas paredes, quadros emoldurados ricamente ilustravam cenas da mitologia grega. No extremo oposto da parede onde se localizavam as grandes portas de entrada principal, havia um palco onde bandas e cantoras se apresentavam de quando em quando. Pendurado no ponto mais alto do teto côncavo, um lustre de dimensões gigantescas carregava velas e mais velas tremeluzentes.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora