VIII

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Passava das oito horas quando Magdalene sentiu o sol aquecer seu rosto. A luz entrava inocentemente pelas cortinas, como uma criança chamando um amigo para brincar. Mas Magdalene não queria brincar. Ela gostaria de passar o resto do dia na cama para compensar as poucas horas de sono. Felizmente, no entanto, a noite tinha sido tranquila e livre de sonhos.

Por volta das dez e vinte, Frances entrou com uma bandeja de porcelana repleta de cartas e abriu as persianas, deixando o tímido sol de inverno banhar as bochechas de sua ama, que, mesmo acordada, não abriu os olhos. Magdalene sabia que deveria se levantar, mas suas pálpebras pareciam pesadas demais. Seu pai a condenaria por isso.

— Bom dia, senhorita — sorriu a criada.

— Bom dia, Frances. Que horas são? — perguntou languidamente, afastando uma mecha cor de palha do rosto.

— Nove e vinte e cinco, senhorita.

— Como é tarde! Onde está papai?

— Foi caçar com o duque, senhorita, mas acredito que já tenha voltado.

— Ah, claro, claro... Papai vai me dar um sermão por ter acordado tão tarde.

Ela se sentou e pegou as cartas que a criada lhe entregara. É claro que Fernando tinha ido à caça com seu pai. Ele se submeteria a toda e qualquer humilhação desde que essa lhe rendesse uma recompensa. Mesmo que isso significasse demonstrar sua vergonhosa incapacidade de acertar  um faisão idoso sequer — um faisão idoso o suficiente para ser atingido a quilômetros de distância. Ele mal sabia segurar um rifle de caça.

Magdalene ignorou as cartas que Frances lhe entregara, todas de mulheres da alta sociedade a convidando para chás da tarde. Curioso, pois ela nunca fora muito bem recebida na cidade. A origem campestre de sua família, os relacionamentos conturbados de seu pai com homens do submundo londrino — que a propósito foram em parte responsáveis por sua ascensão social —, e os pontos borrados no passado da família, cujo cerne a sociedade mexeriqueira não compreendia, pareciam unir motivos o suficiente para que a aristocracia a encarasse com olhos cruéis. No entanto, desde que fizera sua primeira aparição pública, em um vestido cor de malva comprado por seu pai com o dinheiro do jogo, a sociedade pareceu amansar instantaneamente. Como se tivessem se esquecido dos boatos e, consequentemente, perdido todo o interesse por Magdalene, afinal, seria impossível que uma jovem dama bem vestida estivesse envolvida em escândalos; e a monotonia de uma vida sem escândalos não despertava o interesse da aristocracia. Entretanto, nada disso extinguiu o fascínio dos fuxiqueiros pela depravação de seu pai — frequente conteúdo de fofocas em reuniões, aliás — o que novamente a aproximou do problema. De uma forma ou de outra, Magdalene sempre andaria acompanhada pelo escândalo, por mais imaculada que aparentasse ser, afinal, ela própria era um produto da imoralidade. Fora o escândalo, em sua forma mais bruta, que a trouxera até ali.

Organizou as cartas não lidas em uma pilha perfeitamente alinhada e saiu da cama. Em seguida, vestiu-se com a ajuda da criada e desceu as escadas, dirigindo-se à biblioteca.

Era um dia agradável. Pelas janelas, um sol tímido invadia o ambiente, conferindo uma atmosfera quimérica aos corredores da casa. Ou talvez fosse apenas o sentimento de irrealidade que a fazia sentir como se não pertencesse àquele lugar, pelo menos não naquele momento. Seria possível que sua alma vagasse pelos arredores da casa enquanto seu corpo repousava em outro lugar? Era algo estranho, como se seus olhos a projetassem em uma posição adiante, mas seus membros cansados não conseguissem acompanhar a mesma velocidade. Provavelmente eram apenas os frutos da sonolência, adicionada a uma boa dose de falta de concentração, em virtude da noite mal dormida, que atrasavam seus passos. Ela não estava acostumada a dormir pouco, mas vinha o fazendo com frequência ultimamente.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora