XIII

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Charlotte atravessou a rua com Algernon em seu encalço. Comprou duas maçã de um ambulante e saiu abrindo espaço pelas calçadas apinhadas de gente.

— Esse é o nosso almoço? — Algernon perguntou por trás de uma risada irônica.

— Perfeitamente.

— Por Deus, Wilson! Uma maçã? Eu conheço um ótimo restaurante aqui por perto. Nós podemos muito bem ter uma refeição digna ao invés disso.

— Não, obrigado. Não estou com fome.

Algernon soltou um suspiro resignado e apertou o passo atrás do inspetor.

Com o cair da tarde, o céu adquiria uma coloração rósea, e era possível vislumbrar os contornos cintilantes da Lua por trás das construções sujas do subúrbio. O cheiro no ar era formado por uma curiosa mistura de sabores da cidade, com o aroma de cerejas se unindo estranhamente ao de peixe fresco.

Por mais de três horas, os dois caminharam por ruas e becos cada vez mais estreitos conforme avançavam em meio aos aromas e paisagens peculiares de Londres. Esperavam encontrar uma alma viva ciente do paradeiro de pelo menos um dos hóspedes da pensão no East End. Ao que parecia, no entanto, ninguém por ali reconhecia os nomes apresentados. O que e quem quer que constituísse o cerne daquele crime havia executado um trabalho orquestralmente bem manipulado para que cinco indivíduos aparentemente comuns sumissem do mapa da noite para o dia; ou simplesmente existisse um complexo de coincidências — absurdamente favorável ao assassino de Thomas Somerset, diga-se de passagem — que desviasse, em diversos níveis, a culpa de um possível suspeito. Ainda assim, anos nos anais do crime de Londres provaram a Charlotte que coincidências não existem. Simplesmente porque a moral, e quem quer que a pregue, não se vincula a assassinos, e aqueles que se vinculam não deixam de o ser.

Dessa vez, no entanto, as buscas não deveriam ser infrutíferas: de acordo com as informações que um estagiário do departamento de homicídios conseguiu, em uma ruazinha mais a frente, Charlotte e Algernon conseguiriam, com sorte, encontrar alguém que pudesse informá-los.

— Frédéric Gachet? — Algernon leu no papelzinho que Charlotte tirou do bolso.

— O único que supostamente encontraram. — Ela leu em tom baixo. Um senhor que mancava pelo beco virou a cabeça bruscamente em sua direção à menção do nome de Frédéric. — Crestham Lane. É aqui.

— Bom Deus. Eu não aguentava mais sentir esse cheiro de comida estragada.

— Olha como fala, menino! — Uma senhora maltratada pela idade censurou-o por trás de uma barraca de frutas.

— Você trabalha examinando cadáveres todos os dias, Blanchard. Acho que isso aqui não é nem de longe o pior que você já sentiu. Aliás, os salmões daquele senhorzinho me pareceram bem frescos... uma pena que as vendas não vão estar mais aqui quando sairmos — Charlotte interveio, apertando o passo. — Venha, senão podemos perdê-lo.

Algernon revirou os olhos e seguiu-a, passando por um prédio acinzentado que funcionava como taberna no primeiro andar. Se ele reclamava dos aromas da rua, devia se sentir ainda mais incomodado com o cheiro questionável de álcool — misturado a milhares de coisas esquisitas — que saía do estabelecimento em baforadas de ar quente a cada vez que alguém entrava ou saía dali. Até mesmo Charlotte, que passava por ruas como aquela todos os dias, sentiu a maçã revirar em seu estômago. Os bêbados no interior da taberna, por outro lado, não pareciam se incomodar tanto assim.

— Por favor, não me diga que vamos nos encontrar com Frédéric Gachet neste lugar — Algernon indagou com os olhos arregalados, genuinamente assustado.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora