XII

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Eleanora.

Foi o primeiro nome que lhe veio à cabeça após acordar do que pareceram meses dormindo. Era como se, mesmo inconscientemente, chamasse por Eleanora. Mas o que ela poderia fazer? Sua memória lhe dizia que ela mal tinha chegado aos catorze anos. Aos poucos, a lembrança do rosto angelical ia se reconstituindo: os longos cabelos castanhos e o sorriso... Ainda que repleto do que chamariam de "imperfeições", era o mais belo que já tinha visto. Imagens embaralhadas se sucediam como numa exibição, mostrando uma garotinha que brincava descalça em frente à familiar casinha marrom. Havia pastagens por perto, e mulheres passavam confiantes pelas casas, com cestos em mãos. Em seguida, uma senhora sobre uma cama. Parecia apática, não dizia nada. Aos pés da cama, rezando, estava a mesma garotinha. Alejandro demorou a perceber que aquela era Eleanora. No fundo, ele sempre soubera, mas algo de errado em sua mente não o deixava fazer essa associação.

E foi então que as lembranças alegres de Eleanora foram substituídas por imagens turvas da mulher sobre a cama. Sua mãe. Como a chamavam mesmo? O que tinha acontecido com ela? O que eram todas aquelas bolhas em sua pele? Ele sabia, tinha que saber. À medida que ia recobrando a consciência, começou a ficar preocupado com o fato de não lembrar o nome da própria mãe, mas não demorou muito para que figuras da noite anterior o recordassem que Rosa era o exato motivo pelo qual estava longe de casa. A lembrança o tirou de seus devaneios por um tempo, e foi quando se deu conta de que não estava sozinho: uma maré de tosses e espirros preenchia o ambiente. Um cheiro estranho começava a incomodar. 

— Posso ajudar?

Alejandro não respondeu. Levou alguns instantes para perceber que falavam com ele e, quando tentou responder, o máximo que conseguiu foi produzir um som abafado.

— Ah, me desculpe, eu não sabia que...

— Não, não. Eu estou bem — conseguiu dizer.

Agora tinha percebido que falava com uma enfermeira pequenina e com cara de assustada. Ela trazia algo em uma bandeja, provavelmente sua refeição — seria o almoço ou o jantar? —, que quase derrubou quando ouviu Alejandro responder.

— Oh, meu Deus! Nós não... — a enfermeira enxugou uma lágrima. — Me perdoe por isso. Nós não tínhamos ideia de que... Bom, isso é um milagre, tem que ser um milagre — ela murmurou, tagarelando consigo mesma. — Será que já podemos acionar a Scotland Yard?

Um estalo em sua mente transportou Alejandro à noite anterior, se é que aquilo tinha acontecido na madrugada passada. O salão bem iluminado do cassino e as figuras encapuzadas. Mas por que a Scotland Yard estaria envolvida em seu acidente? O que ele tinha feito?

— Me desculpe, mas o que... o que aconteceu? Além de eu ter batido a cabeça?

À luz da pergunta, a enfermeira se encolheu, tornando-se menor do que já era. Seu rosto assumiu uma expressão transtornada de preocupação e talvez agonia. O estômago de Alejandro revirou.

— Oh, meu Deus. Primeiramente, me perdoe, Sr. Estravados. Nós não sabíamos que você recuperaria a consciência tão rapidamente. Algumas horas atrás, o senhor acordou pela primeira vez desde que bateu a cabeça, quando a equipe de investigação chegou, mas novamente caiu em sono profundo após uma enxaqueca. Achamos que entraria em coma — ela apoiou a bandeja sobre a mesa de cabeceira. Não havia nenhuma refeição sobre ela, mas diversos instrumentos e frascos cujo uso Alejandro preferiria não entender. — O senhor acredita em milagres?

Ele assentiu, desejando que ela fosse direto ao ponto. Uma crescente onda de ansiedade ameaçava se apropriar de seu corpo.

— Porque isso foi certamente um milagre... De qualquer forma, acredito que o senhor não tenha recuperado a memória plenamente, estou certa?

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora