VII

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Charlotte Hallward acordou com o senhorio do apartamento esmurrando a porta de madeira do quarto. Era comum que o Sr. Hubbard, um velhinho atarracado de feições rabugentas, quase arrancasse a porta das dobradiças toda vez que a chamava para se levantar. Apesar de sua brutalidade, era um bom sujeito. Parecia não se importar com a vida imprevisível que a inquilina levava e convenientemente poupava julgamentos. Para o proprietário, porém, Charlotte era uma prostituta que constantemente recebia recados de seus supostos clientes. A bem da verdade, a "minha cara Srta. Howard", como ele a chamava, nunca havia sequer mencionado sua ocupação, mas a certeza tinha se consolidado muito profundamente na cabeça do senhorzinho para que ela se desse ao trabalho de fazê-lo reformular as concepções. Charlotte preferia não entrar nesses méritos; evitar o campo minado que o assunto sobre sua carreira sempre despertava.

Quando ela não respondeu, o Sr. Hubbard adentrou o quarto, ofegante, com um papelzinho retorcido entre os dedos. Um telegrama.

Charlotte era frequentemente acordada pela chegada de telegramas, os quais levavam o Sr. Hubbard à conclusão de que a moça que ocupava um dos quartos do edifício trabalhava no submundo da cidade, embora respeitosamente não lesse nenhum de seus recados. Talvez ele fosse realmente muito convicto sobre seus julgamentos.

— Srta. Howard, me... — começou, ainda retorcendo o recado nas mãos, quando foi interrompido.

— Hallward, Sr. Hubbard. Pode deixar o telegrama na mesa de cabeceira, por favor — ela disse, sem tirar o rosto debaixo das cobertas.

— Srta. Hallward, claro, claro. Peço que aceite minhas desculpas. Não tive a intenção de fazê-lo...! — disse em tom hesitante. — Acabei por ler o seu telegrama e, honestamente, estou preocupadíssimo!

Charlotte desenterrou a cabeça debaixo dos cobertores num salto e pousou os olhos nos dedos inquietos do sujeito à sua frente. Seus cabelos estavam desalinhados e as olheiras afundavam seus olhos em uma fisionomia fúnebre.

— O que está escrito? — perguntou, sem desviar o olhar. Seus olhos estavam vazios, mas a tensão era perceptível no canto trêmulo de sua boca.

Ele entregou-lhe o telegrama amarrotado, que lia:

O relógio está tiquetaqueando para o inspetor Wilson! Venha antes que nosso querido Algy conquiste o terreno.

G. H.

— Minha cara senhorita, não me diga que está envolvida em um escândalo! Isso não seria digno de você!

Charlotte levantou as sobrancelhas ironicamente, ainda encarando o telegrama.

— Não, Sr. Hubbard. Não há motivo para preocupação. Não estou envolvida em nenhum escândalo — disse, erguendo os olhos pela primeira vez desde que acordara.

— Para seu governo, Srta. Hallward, não desejo saber mais do que aquilo que me é confiado, mas, por gentileza, não deixe seus escândalos invadirem minha propriedade — ele disse, comprimindo os lábios. — Agora, se me permite — saiu e fechou a porta do quarto, deixando um rastro de preocupação por onde havia passado. Ela não ouviu passos se distanciando. Ele ainda estava à soleira da porta.

Charlotte rolou da cama para o chão. O Sr. Hubbard sempre demonstrara indiferença quanto à carreira e à vida pessoal da moça, entretanto, qualquer aproximação às fibras que constituíam a mentira em cima da qual Charlotte vivia significaria perturbações capazes de abalar tanto ela quanto o pobre senhorzinho em níveis desastrosos.

Com o rosto contra o chão gelado, ela encarou o telegrama em suas mãos pálidas. Venha antes que nosso querido Algy conquiste o terreno. Bocejou, mais em uma afronta à menção daquele nome do que pela noite mal dormida, e se levantou rapidamente do chão, escorando-se na cama. Ouviu o Sr. Hubbard finalmente descer as escadas em direção ao térreo.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora