O hospital cheirava a éter. Éter e talvez algo a mais. Não aparentava ser sujo, mas, a julgar pelo cheiro, era de se esperar que fungos se espalhassem pelos cantos. O tilintar das bandejas carregadas por enfeirmeiras se propagava pelo que pareciam quilômetros de distância. Ou talvez fosse apenas a inevitável sensibilidade dos sentidos que o ambiente, uma verdadeira ferida aberta, cheia de pus, provocava naquele que se deparava pela primeira vez com o corredor gélido do primeiro andar.
A porta se fechou atrás do superintendente, que de prontidão marchou em direção a uma enfermeira de nariz empinado; pela impaciência em seu rosto, certamente esteve esperando por alguém. O clique metálico dos instrumentos cirúrgicos foi tornando-se distinguível à medida que os inspetores se aproximavam da recepção, acompanhando tosses secas que escapavam pelas portas. Depois de trocar algumas palavras com a enfermeira, Harper fez sinal para Charlotte e Algernon o seguirem.
Assim que saíram da casa de ópio, não muitas horas atrás, os três rumaram para os escritórios do departamento de homicídios. O comissário, naturalmente, condenava a ineficiência dos oficiais, e mostrou-se resignado em saber que o principal suspeito pelo crime era um imigrante. Seria inútil tentar convencê-lo do contrário. De qualquer forma, os inspetores não poderiam negar que seus pensamentos compartilhavam raizes nos pensamentos do comissário: o desejo egoísta de que Alejandro estivesse vivo. E que se lembrasse de algo.
Anos mais cedo, uma série de homicídios em Whitechapel acometeu a capital inglesa. Não havia uma alma no distrito, ou sequer no país, que nunca tivesse ouvido falar nos ataques brutais do estripador. A aparente habilidade de se esconder daquele cuja identidade permanecia até o momento desconhecida havia colocado em xeque a competência das autoridades em controlar o medo generalizado e da equipe de investigação em dar fim aos assassinatos que só poderiam ser atribuídos a alguém dotado de terrível perturbação mental. Charlotte gostaria de condenar a ineficiência da polícia durante os anos de atividade do estripador, mas preferiu guardar suas opiniões para si mesma. De qualquer maneira, não seriam necessárias maiores revelações: toda a Londres conhecia o atraso da equipe vigente em missões que poderiam ter capturado o assassino, sem contar a clara falta de estratégia dos oficiais ditos qualificados. Ela bem se lembrava de ser repreendida pelos mais velhos por sua "sede de sangue", como costumavam dizer quando a viam com jornais em mãos, e, claro, por criticar as autoridades. Mas esse era um passado distante do qual ela não gostaria de se lembrar. Bom, o único problema das duras críticas à equipe de investigação na época, Charlotte ponderou, era que a impressão de que a população tinha sobre a competência dos oficiais não parecia ter mudado. E obviamente a mídia faria bom uso disso.
A esperança, portanto, de que o homicídio fosse um caso isolado tratava-se de um instinto plenamente justificável. Uma expectativa racional. No entanto, pelo cenário cheio de pontas soltas em que se construía a cena do crime, não era o que parecia.
A essa altura, a rua já estava apinhada de gente há horas, e as altas chaminés já devolviam a paleta de cores escuras à cidade, encobrindo mais uma vez o curioso sol de inverno. Os flocos de neve fina agora rodopiavam em uma dança inexpressiva, marcando a transição para a primavera.
Dentro do hospital, o inexpressivo chacoalhar de pílulas em frascos de vidro e enfermeiras sorridentes batendo os saltos nos tacos de madeira que revestiam o chão; o sol até banhava as janelas retangulares. Um garotinho risonho deixava a recepção, segurando as saias da mãe. Era impossível dizer o que, afinal, tornava aquele corredor tão melancólico.
— Por aqui, por favor — disse a enfermeira de nariz empinado. O superintendente fez menção para que o seguissem em direção a uma porta ao fim do corredor.
Quando adentraram o cômodo, depararam-se com uma sala enorme, cujas proporções pareciam ser intensificadas pela ausência de mobília no centro. Encostadas nas duas extremidades opostas do cômodo, estavam leitos, quase completamente ocupados. Um senhor de meia idade roncava sobre um travesseiro coberto de sangue – certamente seu único momento de paz. Ainda adormecido, ele tossiu sonoramente, expelindo mais sangue sobre o leito. Ao seu lado, um rapaz raquítico abraçava os próprios joelhos, aparentemente incomodado com alguma dor abdominal. Do outro lado do cômodo, era possível ouvir um sujeito respirando com dificuldade.
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O Cisne do Submundo
Mystery / ThrillerMagdalene Walters nunca se destacou na sociedade, isso até seu pai ganhar uma fortuna no submundo inglês; fortuna grande o suficiente para fazer com que sua lista de pretendentes se tornasse impossível de contar nos dedos. Alguns poderiam proporcion...