XVI

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— Isso é uma mosca na minha bebida?

— Não, Anna, é uma semente de maracujá.

As vozes arrastadas pintavam o ambiente subterrâneo em um colorido alegre, quase que mascarando os traços evidentemente urbanos. O bar, como era de costume, estava lotado, repleto de homens e mulheres em vestes reveladoras. Bem, reveladoras para as ruas da cidade; ali elas eram perfeitamente aceitáveis.

Em um canto, um pianista divertia a multidão com notas em stacatto.

— Obrigada por ter me ajudado a localizar Rosalind Chapman, Anna — Charlotte iniciou.

— Não precisa me agradecer, querida. Foi bem fácil encontrá-la, na verdade — a outra respondeu, alisando os cabelos cacheados. — Margareth me ajudou, aliás. Agradeça a ela.

Do outro lado do balcão, à menção de seu nome, uma mulher cuja idade era difícil estimar lançou uma piscadela a Charlotte. Conversava com um rapaz com trejeitos de marinheiro.

Anna riu.

— Margareth nunca muda — ela suspirou, dirigindo-se a Charlotte. — E então? Rosalind ajudou-lhes de alguma forma?

Foi a vez de Charlotte suspirar.

— Sim, mas agora temos mais um suspeito. Ou pelo menos alguém para culpar sem motivo, como sempre fazem por ali.

— Espero que o depoimento dela lhe sirva de alguma coisa no fim das contas. Caso contrário, nossa ajuda não terá servido de nada — riu. — Bom, não vou questionar muito, afinal, essas coisas são confidenciais.

Charlotte sorveu o conteúdo âmbar de seu copo de uma vez.

— Ei! Vamos com calma. Tenho certeza de que você vai fazer um ótimo trabalho — ela fez uma pausa antes de prosseguir: — A situação está tão ruim assim?

— Eu não sei por onde começar, Anna.

— Como assim?

— Eu sempre sei de onde partir. Sempre há algo que ninguém além de mim vê. Mas dessa vez... parece impossível. Nada faz sentido.

Anna observou os esqueléticos dedos da amiga passearem impacientemente pelo balcão. A sucessão invicta de feitos profissionais extraordinários tornavam Charlotte extremamente frágil à derrota e igualmente temerosa ao menor sinal de dúvida. Era interessante observar como a iminência de um possível insucesso desestabilizavam mulheres como ela.

— "Tudo faz sentido". Você mesma me disse isso — Anna iniciou.

— Quando?

— Quando nos conhecemos. Você tinha bebido demais depois de ter resolvido seu primeiro caso e iniciou um monólogo sobre como nada escapa aos olhos daqueles que enxergam pelas lentes certas.

— Prefiro nem me lembrar disso — Charlotte riu.

O pianista barulhento prosseguia entretendo um bando de maltrapilhos bêbados que pareciam hipnotizados pela melodia. De todas as pessoas ali, aqueles eram os mais silenciosos. Charlotte admirava a volatilidade do comportamento daquelas pessoas. Em cerca de segundos, ela tinha certeza de que eles voltariam a esgoelar marchinhas populares, às quais o pianista provavelmente daria acompanhamento.

Para alguém que tanto apreciava o silêncio, Charlotte considerava aquele ambiente estranhamente confortável. Talvez os sujeitos embriagados a deixavam tão sozinha quanto se estivesse em uma biblioteca abandonada. Podia, assim, ficar livremente presa aos próprios pensamentos. No entanto, acompanhada pela agradável sensação de movimento ao fundo. O que poderia haver de tão aconchegante no tilintar dos talheres e a cacofonia de vozes dissonantes?

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora