II

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Sentado à mesa coberta pela toalha de mesa aveludada, uma figura encapuzada fumava seu cachimbo de ópio, os círculos de fumaça desaparecendo pelo ar sufocante do salão fechado. Um copo de scotch descansava na cadeira ao lado.

— Por que não tira a capa, senhor? — perguntou um crupiê que passava pelo saguão.

— Está frio — respondeu, ríspido.

— Creio que não, senhor, — olhou pela janela coberta por um trapo sujo, que contrastava com o interior iluminado e bem ornamentado do cassino — lá fora nunca se viu um sol mais brilhante.

Sem receber uma resposta, o jovem prosseguiu:

— O que esconde por baixo dessa capa? — perguntou, brincalhão.

— Por que quer tanto saber? Por acaso depende disso? — e, antes que o crupiê pudesse retrucar, adiantou-se — Precisa de dinheiro? Pela forma perturbada como anda, me parece que sim. Mas não se preocupe, não vou deixar que os prestadores de serviços, se é que me entende, venham procurar por sua cabeça.

O jovem engoliu em seco. De qualquer forma, não era como se Robert fosse diferente. Sempre fora assim e nunca mudaria. Sua frieza congelava até mesmo os lugares mais quentes e abafados, como aquele salão. "Bem, não é de se admirar" pensou o crupiê consigo mesmo "Robert deve realmente ter passado por muita coisa."

Uma infinidade de boatos corria pelas ruas de Londres, e onde quer que Robert passasse, o pecado o seguia. O que se sabe é que o escândalo fazia parte de sua vida desde que nascera, já que havia sido deixado em uma caixa na porta da casa de uma senhora, em Mayfair, momentos após ter sido parido por uma prostituta, a qual ele já havia tentado procurar, mas sem sucesso. Seu pai? Inexistente. Com cerca de catorze anos, fugiu da casa da senhora, a qual bondosamente o criou, para vir a trabalhar em uma fábrica de autopeças. Não se sabe ao certo o que aconteceu entre seus dezoito e vinte e três anos, no entanto, seu nome se popularizou absurdamente quando, juntamente a alguns sócios provenientes do mesmo mundo desconhecido que ele, construiu um dos cassinos mais frequentados da Inglaterra. Muito provavelmente com dinheiro sujo, no entanto, o negócio floresceu magnificamente, bem como seu nome, antes interpretado pela alta sociedade como uma ameaça, passou a fazer parte de listas de bailes e mais bailes. Ainda assim, Robert foi responsável por corromper a vida de incontáveis homens em virtude no vício em jogos de azar, e os lugares os quais frequentava eram evitados por todos aqueles que tinham um mínimo de amor pela vida.

Robert, assim como seus companheiros, sempre fez parte da camada invisível da sociedade, a qual incluía viciados, jogadores, prostitutas e artistas. Porém seu altíssimo poder aquisitivo e a forma como se portava na presença de nobres e damas eram inacreditáveis e até mesmo invejáveis por outros cavalheiros, sendo assim, conseguir a mão de uma lady almejada por todos os condes e barões não lhe era um grande desafio. Quando chegava a grandes eventos em carruagens puxadas por cavalos brancos em seu vestuário costurados pelos mais famosos alfaiates da cidade, todos esqueciam os pecados aos quais seu nome estavam associado. Bem, nem todos.

— Rob — chamou um sujeito alto, vestindo um sobretudo e chapéu, direcionando-lhe um exemplar de jornal aberto na primeira página com as mãos pálidas e ossudas — Ei, Rob, está acordado? Tire isso do rosto, estúpido — disse, arrancando-lhe a capa da face.

— O quê faz aqui?

— Robert, inferno, será que consegue prestar atenção uma vez no que digo? Sou eu, Castle, seu sócio. — disse, soltando imprecações — Me responda uma coisa: está se embriagando de novo?

— Todos nós estamos.

— Vamos, não tente bancar o filósofo frustrado; você é o proprietário de um cassino e nada mais que isso — sorriu. — Entre nós, parceiros: você continua bebendo?

— Se quer a verdade, sim, voltei a beber. Tive uma recaída.

— Sinto muito. Só tome cuidado para não matar ninguém de novo. — Riu, irônico.

Um garçom que varria o chão observou-os, os olhos arregalados de terror.

— Ah — pigarreou — Sobre isso... Não precisa se preocupar, foi apenas uma piada de mau gosto.

O garçom assentiu e saiu em direção à cozinha, deixando o monte de poeira que varria rolando pelo piso. Ainda dava olhadelas constantes por cima do ombro enquanto sumia pela porta metálica. Os sócios trocaram olhares desconcertados e riram entre si.

— De qualquer maneira, não foi por isso que vim aqui... Foi por isso — estendeu-lhe o jornal, andando em direção à janela, de costas para o amigo.

— "Magdalene Walters procura por pretendente. Casa da família Walters acolherá jovens capazes de prossegir a linhagem da primogênita". — Leu — O que tenho a ver com isso?

— Achei que pudesse se interessar. Sempre frequenta esses bailes. E ainda Magdalene...

— Não quero nada com Sebastian. Todo o dinheiro que ganhou foi graças a mim, no meu cassino! E esse velho mal-agradecido ainda teve coragem de dizer que não poderia desposar sua filha devido à minha reputação bem no momento em que estávamos perdidamente apaixonados... — suspirou e se recompôs para prosseguir seu raciocínio — Não devo nada ao pai de Magdalene. Nada.

— Então é tudo sobre Magdalene e seu pai... Achei que daria outra chance, mas seu rancor é sempre maior, não? — indagou, virando a cabeça para trás.

Antes que pudesse girar completamente em seus calcanhares para olhar para o sócio, anteriormente sentado na cadeira de mogno, Robert desferiu-lhe um golpe na têmpora que o fez cuspir sangue. Em uma fração de segundo, viu-se no chão, enquanto o copo de scotch que antes descansava em outra cadeira se espatifava na frente de seus olhos.

— Você sabe que eu mataria por essa mulher. Pense bem antes de abrir a boca outra vez, canalha. — disse, pisando na mão direita do outro, sorrindo ao ouvir seu grito agonizado.

Robert deixou a sala, os passos ecoando pelo salão. Passou pela porta e fechou-a com um baque seco. Um estrondo quebrando o silêncio. A não ser pelos gemidos de dor ao fundo.

Realmente, havia uma infinidade de segredos escondidos por baixo de sua capa.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora