IX

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— Estúpida! Criança estúpida!

— Sinto em lhe dizer que isso não vai reverter a situação.

As mesas do cassino estavam todas jogadas pelo salão. Pratos, copos, garrafas, todos em estilhaços, misturavam-se entre a bagunça. Em um canto escurto, a figura indistinta de Felicity, sentada com os pés apoiados na única mesa que ainda não havia sido arremessada contra a parede, levantava círculos de fumaça com um charuto. No centro do salão, Robert andava impacientemente de um lado para o outro, atirando garrafas contra as paredes. Dois quadros foram rasgados.

— Sim! Estúpida! — Verteu o restante do conteúdo de uma garrafa de gim em um longo gole e arremessou-a contra uma tela que retratava Nêmesis. O rosto partiu-se ao meio. — Estúpida.

— Se você fizer o favor de...

— Favor? — gargalhou, jogando a cabeça para trás. Sua voz, repleta de um sarcasmo desesperado, reverberava pelo ambiente vazio. — Honestamente, Felicity, depois da cena que armou, você ainda se acha digna de me pedir um favor?

— Eu não matei o garoto!

— Por que assume que eu acreditaria em você?

— Eu não armei uma cena! — bradou.

O salão mergulhou em silêncio, e o rosto de Felicity fez-se vermelho, contraindo-se em uma expressão singular, marcada por algum tipo de ódio fascinante. Felicity era jovem. Não poderia ter mais de vinte e um anos, mas as misteriosas linhas que atravessavam seu rosto fino demais pareciam revelar uma idade avançada.

— Você destruiu minha única esperança — Robert suspirou.

— Você chama esse buraco de esperança?

— Esse buraco é a esperança que te tirou das ruas, Felicity. — Seus passos, agora contidos, ecoavam pelo saguão vazio.

Em meio ao caos de mesas, pratarias e porcelana, fragmentos do que eram cadernos de um jornal se espalhavam por toda a bagunça, por entre fendas na sujeira. Uma manchete na primeira página lia "Tragédia no East End", complementada por uma ilustração agora indefinível; tinha sido manchada por um líquido âmbar, que conferia um cheiro forte às proximidades.

— Eu não matei o garoto — ela repetiu.

— Quieta!

Ouviu-se o despedaçar agudo quando mais uma garrafa, provavelmente de conhaque, foi arremessada contra outra pintura. Dessa vez, um anjo dedilhando uma harpa. Ele se fez em dois.

— Não! — guinchou Felicity.

Robert girou nos próprios calcanhares, olhando por sobre o ombro.

— Era minha pintura favorita... — ela prosseguiu, envergonhada.

— Mulher ordinária — sibilou o outro.

— Eu não matei o garoto! — Lágrimas rolavam por suas bochechas cobertas de pó de arroz. — E não sou ordinária.

Lá fora, o dia luzia. Crianças corriam, brincavam de roda. O sol não deixara de brilhar para lamentar a tragédia no East End. Assim como as flores não deixaram de desabrochar, nem as daninhas que cresciam por entre as pedras deixaram de aproveitar o banho de sol que conseguiam quando um raio alcançava os paralelepípedos. Senhores jogavam carteado, ignorantes sobre os arredores — o carteado lhes parecia tão insignificante agora. Coches atravessavam as ruas, indiferentes. Era tão injusto, não serem obrigados a sofrer as mesmas misérias!

— Por que você o levou para lá? — Robert perguntou, quebrando o silêncio.

— Tinha negócios a resolver com alguém.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora