III

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Sentada em um canapé, uma figura imóvel repousava os braços sobre a saia de cetim do vestido cor de anis. À medida que olhava em direção à janela, os cabelos cor de palha que emolduravam seu rosto branco como mármore esvoaçavam com a brisa suave da tarde. Era como se uma aura tão brilhante a rodeasse que pudesse facilmente ser confundida por um fantasma. O mais bonito dos fantasmas.

— Magdalene — chamou uma voz grave, mas não houve resposta.

Seus olhos em brasas fitavam o céu traçado pelo branco das nuvens através das cortinas linho. Fechou-os por uma fração de segundo, como numa tentativa de amenizar o fogo pelo qual estavam tomados. Não se sabia ao certo o quê ou quem os havia incendiado, no entanto, os olhos de Magdalene sempre haviam sido assim. Sentiu o aroma dos lírios inundar o quarto enquanto meneava a cabeça de um lado para o outro a fim de evitar que a luz do sol incomodasse a visão. Sua mera presença era extasiante e até mesmo opressiva, como se a criatura, durante o mais insignificante contato visual, pudesse absorver toda a alma daquele que ousasse encará-la.

Ouviram-se o estalar seco de passos se aproximando e uma porta se fechando atrás da garota, que brincava com as mãos brancas como marfim puro e delicadas como pétalas de rosas.

— Eu deveria me interessar pela música como você — disse a mesma voz, analisando partituras de Bach e Schumann empilhadas sobre a mesa de cabeceira.

A garota virou o rosto para ver quem a chamava, revelando uma pele de porcelana e olhos reluzentes como orvalho.

— Fernando! A que lhe devo o prazer? — sorriu, observando de cima a baixo uma figura alta e forte, com seus cachos dourados descendo em cascatas pelo maxilar definido.

— Estava de passagem... Entrei apenas para visitá-la e acabei prometendo a seu pai ir em uma caçada com ele e seus homens. Sou um homem muito requisitado — riu.

— Claro que é... — Magdalene esboçou um enorme sorriso e virou-se de volta à janela, ainda apoiando-se no encosto do canapé.

— Bem, perdoe a intromissão repentina... Indo direto ao ponto: seu pai me contou. Acabou de me contar — disse, inflando o peito.

— O quê ele te contou? — perguntou, antes que o outro pudesse terminar.

Agora Fernando caminhava pelo quarto ricamente decorado por enfeites de variadas origens. Peças de porcelana chinesa trilhavam um caminho por sobre a cornija da lareira. Uma caixinha de música francesa apoiava-se na penteadeira. Isso fazia o quarto resplandecer alegoria, quase algo infantil, mas que combinava muito bem com os olhos de criança de Magdalene.

— Não se faça de estúpida, Magdalene, você sabe muito bem aonde quero chegar — sem receber uma resposta, prosseguiu, sentando-se, sem cerimônia, na cama arrumada — O baile, minha querida, que você e seu pai planejaram para que possa encontrar um... pretendente — pigarreou desdenhoso.

— Me desculpe, estou muito cansada, passei noites em claro planejando esse baile.

Fernando observou-a. Sim, claramente era uma das mulheres mais belas nas quais já havia colocado os olhos. Pelas ruas, milhares de atrizes e sopranos de casas de ópera chamavam a atenção dos homens com seus lábios vermelhos e bochechas rosadas. Magdalene não tinha nada disso, mas, para ele, era a única capaz de chegar aos pés de Vênus. Talvez fosse uma mera obra da paixão desmedida que o desorientava. De qualquer forma, havia algo de imaculado e genuíno que a rodeava por onde quer que andasse. Ainda que Magdalene fosse muito mais esperta e geniosa do que aprentava, Fernando sempre a encararia como um projeto divino e, portanto, eternamente puro.

— Esse baile não seria sequer necessário se seu pai permitisse que nós nos casássemos — Fernando suspirou — Você sabe o quanto esperei por esse momento desde que éramos crianças, em Royston.

O Cisne do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora