Prólogo

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Era tarde quando Caitlin franziu o cenho em estranhamento ao ouvir o ruído baixo de algo caindo a metros dali. Concentrada como estava nos testes com o sangue de Barry, ainda não havia ido para casa à meia noite, a última vez que conferira o relógio. Levantou os olhos para o córtex, quase que completamente às escuras não fossem as luzes do laboratório onde ainda estava.

Tudo parecia como deveria, no entanto, assim que baixou os olhos novamente para as amostras de sangue sendo processadas na bancada, ouviu o ruído novamente e retirou os óculos de segurança. Sempre fora a pessoa que fazia hora extra, invés de dedicar-se a uma vida social. Porém, desde que se tornara Killer Frost, ficava mais e mais confiante para sair do trabalho mais tarde ou ir a lugares que não seriam muito seguros a uma mulher sozinha.

Sentiu o frio do chão de concreto ao levantar-se e encaminhar-se sem pressa do laboratório ao centro de operações, os olhos concentrados nas portas fechadas que davam para o corredor. Com um deslizar de dedo, postou-se na frente de um computador e estava pronta para digitar o código de comando inventando por Cisco para ter acesso às câmeras de segurança quando a figura envolta pela escuridão virou o corredor que daria exatamente onde ela estava.

- Barry?!

- Ei, Caitlin.

Ele estacou ao notá-la, tanto quanto Caitlin, que fechou as mãos impedindo que o frio de Killer Frost se espalhasse. Com um olhar mais atento, percebeu que havia algo errado ao notar os cabelos bagunçados, a face contrariada e um tanto corada, mas, principalmente, a montanha de comida não saudável em seus braços. Praticamente ignorando-a, parou ao seu lado e colocou tudo sobre a mesa de operações, buscando uma cadeira confortável para sentar-se com toda a calma que poderia ter.

- O que está fazendo aqui? – Ele suspirou, somente encarando as telas escuras dos computadores. – Achei que tinha um jantar na casa de algum conhecido de Iris.

- Tivemos. – Notou que nem mesmo a comida o estava animando e que, em momento algum, utilizara sua super velocidade para qualquer coisa, pois poderia ter chegado ali sem fazer qualquer ruído. – Então discutimos em... Um novo nível.

- Outra vez? – Sua língua foi rápida, o que fez com que fechasse os olhos xingando-se ao notar a contrariedade em todo ele. Barry era, simplesmente, transparente demais. Ou ela aprendera a lê-lo com a convivência e o passar dos anos. – Quer conversar?

- Não sei se detesto ou agradeço o fato de não poder passar um momento como esse no sofá de Joe. – Comentou, ligando os computadores. Caitlin sentou-se sobre a mesa, notando que ele estava em trajes de dormir. Era normal que soubesse, ao menos, os hábitos uns dos outros, passavam tempo demais juntos. – Ele me mataria se soubesse que deixei Iris sozinha.

Então, finalmente a encarou, uma mão na têmpora e os olhos verdes opacos. Barry tinha o costume de lhe partir o coração, ainda que não romanticamente. O estado de ânimo dele praticamente ditava o seu, pois sempre que ele atingia esse estado, ficava constantemente preocupada. Sabia que não deveria ser assim, mas sempre que o outro estava quebrado, sentia que era sua obrigação recolher cada pedaço. Ele parecia inspirar esse tipo de lealdade e reação ação por parte dos seus.

- Vocês não chegariam nesse ponto por qualquer coisa. – Murmurou meneando a cabeça. Ele demorou algum tempo para se manifestar, tanto que achou ser melhor sair. Se fora até ali, a intenção era ficar sozinho. Era tarde demais para que qualquer pessoa normal continuasse no laboratório. Levantou-se com um suspiro. – Posso conversar quando quiser.

Barry, aparentemente, decidiu continuar em seu estado de catarse, pois ainda ficara sentado por alguns momentos, somente encarando a tela dos computadores, ponderando qualquer coisa com seus olhos baixos e feições culpadas. Então, voltou a trabalhar, verificando que os resultados sobre o sangue dele estavam prontos e organizando-os. Barry não havia sido contaminado pelo último meta que haviam detido, apesar de ter um soro quase anestésico injetado em seu corpo.

Durante o tempo todo, manteve um olho nele, mas não tinha mais o que fazer ali. Killer Frost a estaria xingando mentalmente, tinha certeza, por tanto sentimentalismo em relação ao Flash. Exceto que não se tratava do herói ali. Era um cara com problemas no casamento devido a uma filha apagada da existência. Pegou a bolsa, calçou os sapatos e alcançou o casaco, pendurado ao lado da porta de vidro. Porém, nem mesmo as luzes sendo desligadas chamaram a atenção de Barry.

- Eu vou para a casa. – Apertou o ombro dele. – Não fique a noite toda acordado.

Avisou ao notar que ele corria os olhos de forma distraída por diversas câmeras de segurança distribuídas pela cidade, praticamente deitado na cadeira, os dedos entrelaçados sobre a barriga, fazendo com que a grossa aliança reluzisse à luz dos monitores.

- É que... – O tom incerto soou ao dar as costas. – Fica acontecendo... O tempo todo.

- O quê? – Ele soltou a respiração e apoiou a cabeça no espaldar da cadeira para encarar o teto.

- Iris. – O silêncio permeou o ambiente por alguns momentos, enquanto Barry tentava encontrar as palavras certas. Voltou, deixando a bolsa ao lado da comida e cruzando os braços. – Ela tenta nos impedir de... Sermos o que deveríamos. Depois do que aconteceu com Nora, ela não parece mais a mesma. Não está no que diz, mas no que faz, na distância que impõe, e eu...

- Não vê como quebrá-la. – Terminou ao dar de ombros dele. – É compreensível que ela queira se proteger da dor, Barry.

- Sim, por isso me sinto um canalha tentando tirá-la dessa proteção que fez a si mesma! – O tom de voz dele saiu alto dessa vez, indignado. – Apenas que... Essa forma que ela escolheu para se preservar nos afasta cada vez mais. Já faz cinco meses, Cait, e Iris não parece estar mais perto de aceitar ou sair desse lugar onde está.

- Talvez ela nunca vá. – Levantou as mãos em rendição ao sentir o olhar contrariado. – Isso sempre estará entre vocês, como uma pedra no tênis quando está correndo. Vocês terão de aprender a ser um casal que... Possui essa bagagem, infelizmente.

Barry levou as mãos ao rosto, apertando os olhos, pelo cansaço, pelo inconformismo latente com as situações de injustiça, principalmente aquelas que envolviam a si e à sua família. Ele também era egoísta, aquela voz muito parecida com a de Frost sussurrou em sua mente.

- Não somos bons em ser esse tipo de casal. – Constatou após alguns segundos, como se nada pudesse fazer.

- Eu tenho que ir. – Caitlin pegou a bolsa novamente. Os problemas de casal de Barry e Iris deveriam e seriam resolvidos somente pelos dois. Era de uma previsibilidade sem tamanho ter tal certeza, devido ao jornal do futuro: eles sempre superariam. Ou não haveria uma Nora e os sobrenomes West-Allen unidos em um. Era também estúpido o quanto isso a incomodava. – Me ligue se precisar.

- Porque não fica? – Ele estava segurando seu pulso antes que pudesse dar dois passos em direção à saída. Levantou uma sobrancelha, somente analisando-o, mas Barry deve ter entendido errado, pois a soltou no mesmo instante, como se a houvesse ofendido. – Conversar com você ajuda. Sempre ajudou.

Por um momento, lhe lembrou o Barry do início, com muito menos bagagem do que aquele que estava à sua frente, e, consequentemente, muito mais bem humorado com sua sinceridade latente e falta de habilidade social. Esse era o Barry que conseguia deixá-la sem palavras, mesmo mais desajeitado e incerto. Ainda estava em algum lugar dele, mas depois de tudo soava tão... Longe. Então, em silêncio, afastou uma cadeira pra sentar-se, voltando a tirar os sapatos e abrindo um pacote de batatas fritas.

- Não traga comida para o laboratório. – Sentiu o olhar dele sobre seu perfil, então sobre a comida e depois em direção às telas.

- Sim, senhora.

Ele ajeitou-se novamente e acabaram por não falar muito sobre qualquer coisa, visto que Barry não voltou a tocar no nome de Iris. Por fim, viu-se pegando no sono, horas depois, quando as imagens das câmeras de segurança de Central City haviam sido substituídas por um filme francês qualquer de drama, as pernas de ambos sobre a estação de operações e sua cabeça apoiada no ombro dele, devido as cadeiras próximas. Ele não dormiu, percebeu quando se remexeu limitada e desconfortavelmente, continuando no mesmo lugar depois de buscar um cobertor no dormitório que havia ali. 

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