Ascendente | Divergente

01

Acordo assustada, um pesadelo que acabou comigo virando uma sem facção me amedrontou até os ossos. Esse é o pior destino possível, até mesmo nos sonhos.

Na Amizade, valorizamos a vida em comunidade e ser excluído dela é algo pior que a morte. Na morte há paz, na exclusão não.

Tento tirar isso da minha cabeça, eu não virarei uma sem facção. Foco em me acalmar, já que o pesadelo me deixou com uma sensação ruim.

Eu não comi o pão noite passada.

Suspiro, me sentindo sã, mas estranhamente amarga. Sem as drogas da Amizade, eu me torno muito menos tranquila. Bom, qualquer um de nós aqui.

Encaro meu teto por um tempo, deixando meus pensamentos me guiarem.

Hoje é dia da Cerimônia de Escolha, onde todos os jovens de dezoito anos escolhem em qual facção passarão o resto de suas vidas. E eu estou inclusa nisso.

O teste de aptidão parece ter sido há anos atrás, mas se passou apenas um dia. Provavelmente o pior dia da minha vida. Ontem foi o dia em que eu descobri ser uma completa esquisitona. Meu teste deu errado, revelando que eu sou uma Divergente, não tendo somente um resultado sobre minha futuro facção, mas cinco. As memórias ainda estão frescas, de como Blake, o cara que aplicou o teste em mim, me olhou. Seu espanto e preocupação quase me enlouqueceram. Ontem eu também não comi o pão, então estava uma pilha de nervos. Pelo menos isso serviu de desculpa para o meu teste ter dado errado, disse aos meus pais que não comi o pão porque queria passar pela experiência sóbria, mas que isso me atrapalhou porque passei mal de nervoso. Eles acreditaram, claro. E me puniram. Mas isso é tão recorrente que a lembrança de Blake se destaca em minha mente.

— O que devo fazer agora? — sussurro, aterrorizada.

— Ser forte — ele me olha sério — é o que vai te manter viva. Nunca diga esse segredo a ninguém, certo? Nunca. E evite ser o centro das atenções.

Assinto, assimilando seus conselhos.

— Qual facção você vai escolher? — ele se aproxima do computador ao meu lado.

— Eu não sei — minha voz falha — pensei que o teste me diria a qual facção é meu destino.

— Bom, não pode ser todas — ele me dá um sorriso triste — vai ter que escolher por si mesma. Agora.

Não penso muito, apenas vou descartando rapidamente: Franqueza não é uma opção, se precisasse mentir sobre ser Divergente eles descobririam. Amizade nem pensar. Erudição é como estar vivendo com o inimigo, eles são espertos demais e me descobririam. Abnegação... Droga, eu posso estar sendo uma esnobe ingrata, mas eu não conseguiria viver a vidinha chata deles. Eu estaria segura, mas ficaria entediada até a morte. Então me sobra...

— Audácia — sussurro.

— Você tem certeza disso? — Blake me olha surpreso.

— Claro que não, mas é minha melhor opção. Ou menos pior — bufo — sem ofensa.

— Audácia não é tão ruim quanto dizem —  comenta — é só ruim o suficiente.

— O suficiente? — levanto as sobrancelhas, curiosa — suficiente para quê?

— Para criar guerreiros é preciso ter um nível de maldade saudável.

— Nunca ouvi falar sobre maldade saudável — torço o nariz levemente, intrigada.

— Não me admira. Amizade não valoriza maldade, mas ela é necessária para fazer as pessoas mais fortes — explica — às vezes, o melhor de nós só sai quando passamos pelo pior. E assim podemos ser bons o suficiente para proteger os outros, fazer o que precisa ser feito.

— Proteger os outros... Parece legal — encolho os ombros, pensativa.

— Não é fácil. O processo de iniciação é arriscado e duro, só os mais fortes vão até o fim — Blake fala como se fôssemos para uma zona de guerra. Só de pensar na palavra guerra minha nuca se arrepia. O processo de iniciação deveria acolher e ensinar aos novatos como a facção funciona, não assusta-los.

— Espera. O quê? — me levanto, ficando de frente para ele. Blake, em toda sua glória musculosa, nem pisca. Ele é vários centímetros mais alto que eu, negro, o cabelo curto em um corte militar e em uma rápida olhada, percebo que falta metade de um dedo em sua mão direita.

— Você vai ter que ralar. Muito. Nossa facção é cheia, fazemos uma seleção para ver quem fica e quem...

— É generosamente devolvido para sua facção anterior? — tento, mas sei que com eles não será assim. Audácia é conhecida por ser do tipo tudo ou nada.

— Algo mais... Definitivo — faz uma careta — quem não passa, vira um sem facção.

Sinto meu coração pular e afundar dentro de mim. Estou ferrada.

— Isso é... — mordo o lábio, sem saber qual palavra é adequada para isso.

— Você tem outras opções — me lembra — tem certeza que não quer continuar na Amizade?

— Absolutamente — respondo prontamente e suspiro — será Audácia. Não pode ser tão diferente do que passo na Amizade. Eu trabalho muito lá também, isso deve servir para algo.

— É um começo — é a vez de Blake suspirar, mexendo no computador — no fim das contas, talvez você tenha mais vantagens do que imagina — faz uma pequena pausa — agora precisa ir. Não podemos levantar suspeitas. Lembre-se de dizer que passou mal... Porque estava muito ansiosa. Isso é crível.

— Obrigada — me precipito para abraçá-lo, mas ele recua de maneira automática. Não levo para o pessoal. Está na cara que o gesto foi instintivo, assim como o meu em abraçá-lo.

— Desculpe — sorri e consigo ver uma pontada de vergonha — não estou acostumado com abraços.

— Está tudo bem — dou de ombros e sorrio — talvez podemos trabalhar nisso — quase sai como uma pergunta.

— Talvez — assente.

Batidas fortes na porta faz eu voltar ao presente. É meu pai.

esse capítulo é quase uma introdução do que está por vir. o que sabemos até agora? nossa pequena Skyler é da Amizade, mas odeia lá e sabe do esquema de drogas para manter todos calmos. ela é uma divergente. ela vai para a Audácia. o resto vamos descobrindo mais para frente...

mudei a idade da Cerimônia, aumentando pra dezoito. assim, eles finalizam a escola e vão direto para suas facções definitivas e aprendem seu ofício

e por último, mas não menos importante... FELIZ ANO NOVO 🎉🥂