8 • Sensações

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Matteo levou um tempo para acordar, em meio a madrugada fria e silenciosa, do sonho atordoante que tomava conta de si. A força extenuante que a inconsciência exercia sob seus músculos o fez acreditar que já estava desperto. Cada fragmento sensorial, tão real e intenso quanto poderia ser, o fez acreditar que aquela era a realidade. Ele sentiu, abaixo dos pés descalços e contraídos, a madeira fria e viçosa do palco em que se encontrava.

Era exatamente como ele se lembrava, iluminado e extenso. Monumental e absolutamente sofisticado. Apenas a elite pisava naquele carpete e se sentava naqueles assentos. Apenas os melhores artistas subiam naquele palco. Ali, mais a sua frente, encontrava-se o grande e negro Fazioli. Era um piano longo de armação horizontal e a mesma imponência clássica que todos da marca ostentavam. Um som notavelmente claro e poderoso do modo que Anitta gostava. Somente o melhor.

Matteo fechou os olhos por alguns instantes e absorveu a intensidade daquela sensação. Estar ali após tanto tempo, marchando em direção ao piano que ele jamais pensou ver novamente, era como ser agraciado com um presente amaldiçoado. Toda a glória e dor estampados em um mesmo plano. Matteo estava quase paralisado demais para se aproximar. Mas ele se sentou, frente ao belo instrumento, vestindo nada além de seu pijama. Fechou os olhos e tocou-o com temor, em busca da proximidade e com medo da sensação. Céus, como ele sentiu falta daquilo.

Seus dedos dedilharam com a mesma naturalidade extrínseca de um anjo tocando sua harpa. Mas, à medida em que tocava, sentiu se aproximar um ruído que arranhava o chão. O som inconfundível de seu par de saltos, precisos e elegantes, arrastando-se pelo chão foi o suficiente para que ele abrisse os olhos. Ela estava se aproximando, ainda que seus olhos não pudessem alcança-la.

Matteo não foi capaz de virar seu corpo quando sentiu sua aproximação interromper o ar. Não pôde olhar para ela mesmo quando sentiu seu vestido tocar o seu pé descalço. E então ela se afastou, apenas para colocar-se na frente daquele enorme piano que parecia diminuir próximo ao seu perfume. E quando os olhos de Matteo foram corajosos suficiente para levantar, tudo escureceu. E dessa vez Matteo realmente acordou.

Exasperado, abriu os olhos e se viu banhado pela escuridão do quarto. A luz neon do despertador indicou que ele estava no meio da madrugada, e prestes a enfrentar uma terrível insônia, uma vez que sabia que não voltaria a pregar os olhos. Não depois de vê-la ali, em seus sonhos.

De pé, decidiu ir até a cozinha para tomar algo quente. Algo que aplacasse a sensação de que sua garganta estava submersa em areia movediça. Ele colocou o copo de leite e colocou no micro ondas. Sentou-se na cadeira acolchoada da mesa e esperou.

- Alguém está insone.

Chico, vestido com apenas uma cueca samba canção amarela, surgiu através das portas da sala, adentrando na cozinha.

- Você não trabalha amanhã? - Ele questionou, pegando uma maçã do centro da mesa onde Matteo estava sentado.

- Sim, mas acho que perdi o sono. - Ele respondeu.

- O que está rolando, Matt? Você anda disperso nos últimos dias.

Matteo suspirou e levantou-se para pegar o copo de leite. Ele caminhou para a sala iluminada pela cozinha e deixou que seu corpo caísse no sofá. E Francisco prontamente o seguiu, mordiscando a maçã vermelha.

- Você não resolveu os problemas com a mulher do trabalho? - ele voltou a perguntar, referindo-se ao desabafo de Matteo no primeiro dia de aula. - É isso que está te incomodando?

- Eu... - Ele coçou a barba, olhando para um ponto fixo da cozinha. - Tive aquele sonho novamente, Chico. Não sei se consigo mais dormir.

Francisco, ciente do peso que aqueles sonhos exerciam sobre o amigo, sentou-se ao seu lado.

Em Teu Prazer (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora