Eva acordou com um arquejo em meio a madrugada, seus olhos molhados pelas lágrimas e o suor beirando seu rosto. Ela levantou-se e sentou na cama, contemplando a escuridão. Os pensamentos ainda orbitavam ao redor de sua mãe, de Marcos...Queria encontrar uma solução para aquela situação sufocante.
Ela passou a mão pelos cabelos e suspirou. As respostas que ela procurava estavam muito distantes daquela cama. Na realidade, Eva sabia que a solução para a relação conturbada com Marcos estava em algum lugar longe da sua zona de conforto. Eva tinha uma teoria sobre situações ruins.
Uma pessoa poderia se habituar a todas as coisas da vida. Poderia aprender a lidar com uma deficiência, por exemplo. Mesmo uma pessoa rica seria capaz de habituar-se à vida de pobreza. Aprenderia a correr atrás de um ônibus em um dia de atraso, se acostumar a comprar menos no supermercado. Da mesma forma, as pessoas se habituavam a relações ruins. Fracassadas. Tóxicas.
Aos poucos, cada um adapta suas expectativas dentro da realidade que as permeia. E, assim, situações ruins vão se tornando normais à medida que piores vêm à tona. Mesmo as situações que dilaceram os corpos são mais confortáveis que arriscar-se a mudar as coisas. Viver o ruim sempre foi mais simples que recomeçar na completa solidão. Era assim que Eva se sentia.
Marcos oferecia migalhas de amor impossíveis de negar quando se estava faminta. Uma ligação, um elogio ou um abraço eram um bálsamo a solidão que Eva sentia. Ela estava tão habituada a um relacionamento ruim que quaisquer demonstrações de melhora pareciam o suficiente para renovar sua esperança.
Agora, mesmo após o término, Eva estava presa em sua zona de conforto. Ignorar Marcos e lidar com ele aos gritos era mais simples que enfrentar a situação e impedi-lo de invadir seu espaço. Ainda que tivesse iniciativa para isso, ela não sabia como fazê-lo se afastar. Os gritos, as ofensas, o afastamento. Nada parecia suficientemente claro para que ele aceitasse o fim.
Eva sentiu certo desespero tomar conta de seu peito conforme tomou consciência de que não sabia como parar Marcos. Ele não iria se afastar até que quisesse.
Em um impulso, ela arrastou o braço até o travesseiro e pegou o celular. Discou o número do pai e iniciou a ligação, ignorando por completo o fato de que a madrugada já avançava aquela altura.
No quarto toque, ele atendeu.
- Eva? Aconteceu alguma coisa?
Ela suspirou ao ouvir a voz grossa e sonolenta do pai arrastando-se com certo alarme. Ela se arrependeu de ligar tão tarde e incomodá-lo.
- Oi, pai. Desculpe ligar tão tarde. Eu estou bem...Quer dizer, acordei no meio da noite e não consegui dormir.
Seus olhos fecharam por um instante e ela mordeu os lábios, ansiosa. Havia sentido muita saudade de ouvi-lo perguntar se ela estava bem. Saudades de receber uma xícara de leite quente quando estava sem sono.
- Tem algo te incomodando? - Ele perguntou, e ela pôde identificar o som de seus pés se arrastando pelo chão e uma luz sendo acendida segundos depois. A cadeira arranhou o chão e em seguida o telefone fez silêncio. Devia estar sentado na cozinha com seu copo de água morna.
- Eu briguei com a minha mãe, estou um pouco chateada.
- Qual o motivo da briga, filha?
Ouvir sua voz a chamando de filha fez seus olhos brilharem. As lágrimas pareciam estar guardadas atrás dos olhos e pronta para caírem, pois foi o que aconteceu segundos depois. Ela sufocou as lágrimas e deu um sorriso.
- Ela tem opiniões fortes sobre a minha vida.
- Sua mãe tem opiniões fortes sobre tudo.
Eva deu uma risada. Ponto para ele.
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Em Teu Prazer (Degustação)
Romance[Conteúdo Adulto] Eva sempre foi a garota exemplar. Uma jovem estudante dedicada, educada e quieta. Por trás da pele de cordeiro e da conduta impecável, Eva esconde uma mulher impetuosa e intensa, alguém que quer ser enxergada. Ao descobrir as trai...