Prólogo

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Olhei para cima com certa expectativa. No fim dos degraus estreitos encontrava-se o segundo andar, de onde os sons de risadas e diálogos estavam vindo. Eu estava muito ansiosa para conhecer o lugar e finalmente cumprir com as minhas expectativas.

Muitas pessoas não compreenderiam a profunda necessidade que eu vinha sentindo nos últimos dias de mudar. No instante em que eu finalmente decidi que era isso que eu desejava, estava sendo guiada pela esperança de que, no momento em que me olhasse no espelho e enxergasse algo diferente eu me tornaria, de fato, alguém diferente. Uma nova Eva. Uma Eva que merecesse ser vista, ser respeitada. E foi por isso que eu caminhei até o centro da cidade, imersa nos meus pensamentos, até o salão de cabeleireiras da rua principal. Lá estava o primeiro item da minha lista.

Qualquer um estaria confuso diante da minha fala atravessada e fora de contexto. De fato, a minha história é complicada demais para omitir o seu início e, por isso, eu vou rebobinar a fita da minha história. Prepare-se para uma viagem longa ao passado.

Eu não sou uma mulher feia. Quer dizer, se fôssemos entrar no conceito do que é belo segundo o ideal de outras culturas, é claro que eu seria feia em muitas delas. Acima do peso para os franceses, de pele muito escura para os coreanos. Mas, no Brasil, mais especificamente na minha pequena e pacata São Miguel, eu sou considerada uma mulher bonita.

A minha busca pela aceitação começou cedo suficiente para que eu não seja capaz de definir. No entanto, os efeitos dela afetam quem eu sou. Quem eu quero ser. Posso dizer com certa propriedade que, mesmo dentro dos padrões, eu ainda me sinto insuficiente com bastante frequência.

E isso iniciou de forma sutil.

Quando meu quadril começou a crescer e minhas coxas ficaram mais grossas, aquelas malditas cicatrizes começaram a despontar em todos os cantos da minha pele. Eram marcas que a maioria das garotas da minha idade, que mal haviam menstruado, não pareciam ter. Elas usavam todas as roupas bonitas que eu queria usar e se divertiam de todas as formas que eu não me sentia capaz.

Durante esse processo parei de usar shorts, fossem eles curtos ou compridos, e as calças se tornaram minha melhor amiga. Enquanto os primeiros mostravam o pior de mim, as calças delineavam todas as curvas que meu corpo havia desenvolvido. Curvas que eram admiradas e comentadas sem que imaginassem o que eu escondia por baixo de todo aquele pano. Tanta imperfeição.

O tempo passava e eu, cada vez mais paranóica e insegura, já não queria sair em dias quentes para evitar as famigeradas perguntas sobre meu corpo. "Por que você não usa shorts? Você não sente calor?", eram algumas delas.

A cada convite recusado e mentira contada eu sentia que um pedaço da minha vida ser perdido e eu, cada vez menos divertida, ficando presa à minha insegurança. Em compensação, o tempo em casa fez de mim uma jovem inteligente. Dezenas de livros e, ali estava eu, uma das melhores alunas da classe.

Para encurtar a história, eu sou realmente uma mulher bonita. Tenho todos os atributos que alguém precisaria para chamar a atenção dos homens. No entanto, a consciência de meus defeitos escondidos sob as roupas nunca me permitiram ser a jovem ousada e exploradora que eu cresci vendo minhas amigas ser. Ao invés disso, eu era a garota silenciosa do fundo da sala que rabiscava textos atrás dos livros.

Até o dia em que Marcos apareceu. O aluno mais velho que estudava em outro horário. O rapaz de olhos verdes e cabelos loiros. O alto, forte e desejado. O tipo que era péssimo nos estudos, mas incrivelmente bom na arte dos beijos. Marcos era a personificação de todos os clichês favoritos de meus livros de romance.
Pareceu cena de filme quando ele me viu. Um olhar atento, e ele decidiu que me queria. Foi em uma esquina atravessada quando me viu passar. Como bom conquistador que era, em poucos dias eu estava fugindo da missa para encontrá-lo atrás da escola. Beijos apaixonados e profundamente sensuais, conversas complexas e envolventes. Eu havia encontrado meu príncipe encantado.

Em Teu Prazer (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora