4• Consequências

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01 de agosto, 2019. Presente.

Eva abriu os olhos e se permitiu acordar. Apesar do mês transcorrido, ela ainda não se sentia feliz com a ideia de voltar para a escola. Era o primeiro dia de volta às aulas.
Com seu hábito de dormir de lado, a primeira visão que teve foi do céu nublado, que despontava pela janela do quarto com uma graça impressionante. Um dia frio, ela concluiu, com certa alegria.
Olhou o celular e, para seu azar, estava atrasada. Tinha apenas dez minutos para ficar pronta. Respirou fundo e levantou.

- Ótima forma de começar o dia, Eva.

Ela sempre possuiu uma péssima relação com o próprio humor. Constantemente, em situações que fugiam de seu controle, ou que de alguma forma não correspondiam às suas expectativas, ela via a frustração se tornar raiva. Naquele momento, principalmente, sentiu-se absolutamente frustrada. Era o primeiro dia e ela queria ter tempo para estar apresentável.

Não era uma questão de beleza. O problema estava em outro lugar, mais precisamente na imagem que daria para os outros alunos ao aparecer com os olhos inchados, os cabelos bagunçados e a pele sem cor. Conseguia imaginar as garotas comentando sobre sua aparência e rindo, como se estar assim significasse que ela era uma perdedora. A garota arrasada pelo ex traidor.

Atrasada ou não, faria o melhor possível para ser a mesma Eva. Na verdade, ela queria parecer ainda melhor. Colocou rapidamente uma calça que valorizava seu quadril e uma blusa justa. Ela queria transmitir confiança.
Para finalizar, deixou as bochechas rosadas e colocou um pouco de batom nos lábios. Em seguida, sentou-se na penteadeira e olhou para o espelho. Sabia que estava enganando a si mesma. Havia um abismo intransponível entre quem ela queria ser e quem de fato era. Isso porque vivera por muitos anos tentando não ser notada.

Nunca saia com os garotos que a achavam bonita, muito menos usava roupas curtas e ousadas. Não se permitia cometer os erros comuns da puberdade. E por mais bonita que fosse, sempre manteve para si a convicção de que era uma farsa. Por trás do corpo delineado e do rosto harmônico, havia uma pessoa terrivelmente feia. Não ostentava a beleza que outras garotas possuiam. Tudo era falso, porque embaixo dos panos que a mantinham bonita, havia uma mentira.

De qualquer forma, ela não queria desistir de ser uma pessoa mais sincera consigo mesma. Queria buscar o que tivesse vontade, apesar do hábito já formado de evitar tudo aquilo que ela não podia controlar. A essa nova postura ela atribuía a noite em que se aventurou com aquele estranho sensual. Mais do que sexo, aquele momento significou uma mudança de postura.

Na rua, fez em metade do tempo o caminho diário até a escola. Por sorte, ela morava há poucas quadras dali e isso lhe conferia uma vantagem de tempo.

Assim que chegou, Eva escolheu entrar pelo portão escondido da rua de trás, como já lhe era rotineiro. Atrás de si, vários outros atrasados se uniam num comboio esperançoso.

-Vocês se atrasam até no primeiro dia, é incrível!

Alcione, uma das inspetoras, andou gritando ao encontro dos alunos. Todos os dias tinha a mesma função. Ficava no portão principal, supervisionando a entrada, até que o horário limite chegasse ao fim. Então, ela trancava tudo e os alunos não podiam mais entrar. Isso, em tese, porque logo depois ela via uma chuva de cabeças no portão da outra rua pedindo para que abrisse. Não foi surpresa, então, a senhora gorducha de saia comprida soltar sua clássica frase:

- Essa é a última vez que eu deixo vocês entrarem!

Todos riam, no final, porque sabiam que a história ia se repetir. Ela, já uma senhora de idade, sempre acabava indo até a secretaria e apertando o botão que liberava-os a passar.

Em Teu Prazer (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora