O Estranho Interior

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Gravação iniciada

ㅤㅤ ㅤㅤ"Dr. Robert Wudstik falando. Na noite passada finalmente empreendemos nosso grande experimento, tudo parecia ser um sucesso. Conseguimos enviar algumas visões e as mesmas foram correspondidas, mas, ao fim da transmissão, algo aconteceu e nossa cobaia, o grande Sr. Jesse Anthony Lucassen, colapsou e não resistiu ao teste.

ㅤㅤ ㅤㅤEm respeito à família e amigos, demos uma pausa em nosso trabalho nesta manhã para realizar um velório digno, ainda que improvisado. Estamos inconsoláveis, alguns mais que outros, mas a ciência é feita de riscos. A guerra ainda está acontecendo, não podemos parar, portanto ainda hoje iremos realizar ajustes no dispositivo para a fase 2. Por enquanto encerro aqui meu registro."

ㅤㅤ ㅤㅤGravação armazenada com sucesso

ㅤㅤ ㅤㅤCada pessoa naquele laboratório havia sido tocada por uma gota de tristeza aquela noite, mesmo aqueles que nunca haviam lhe dirigido uma única palavra. Muitos tiveram dificuldade para dormir, outros como eu sequer conseguiram pregar os olhos. Até mesmo Marjan foi pega pelo luto, demonstrando uma sensibilidade descomunal, mantendo-se carente, agarrada a mim, por toda a noite. A morte é dura como sempre, mas, quando a causamos, o fardo é ainda mais pesado.

ㅤㅤ ㅤㅤLisa, como esperado, estava profundamente abalada. Pedi que os soldados do time Kappa a escoltassem até o laboratório, com a esperança de que poderíamos acalmá-la pessoalmente, mas ainda assim chorara por toda a noite, sem nem mesmo um segundo de pausa para um respiro. Sua tristeza era enorme, mas sua culpa era maior ainda. Lisa não admitia o fato de ser a responsável por ter começado tudo aquilo, por ter ido de encontro com um pobre senhor solitário em busca de uma cobaia e o guiado até a morte. Estava em fase de negação, ao mesmo tempo que sua sanidade era posta à prova.

ㅤㅤ ㅤㅤEnquanto os soldados já se encaminhavam à praça Dam, no centro da cidade, onde seria realizado o velório, agraciado pelo ainda vivo rio Amstel, eu e Marjan nos arrumávamos e preparávamos psicologicamente dentro do vestiário dos generais.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Erik já chegou na praça e está avaliando a situação do rio, precisamos manter a guarda para garantir que a guerra não chegue até lá — informou Marjan, de dentro de uma das cabines.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Nem sei se desejo garantir algo — lamentei. — Nessa situação, não há como ter esperança... Perdi meu experimento, perdi minha chance de ser um herói, perdemos uma pessoa por causa de nossa ambição e estamos quase perdendo nosso planeta. Pra que vamos querer nossa vida? Não seria injusto com todos aqueles que estamos deixando morrer?

ㅤㅤ ㅤㅤ— Escuta Bob, somos cientistas, a tecnologia não espera ninguém e não faz milagres — Marjan tentava me consolar com as palavras, enquanto dispersava a porta de nanobots da cabine, ainda que não soubesse deixar de ser dura como sempre fora. — O Sr Lucassen já tinha uma idade avançada, não foi culpa sua. Mais cedo ou mais tarde ele teria algo, o organismo não suportou tanta pressão, não foi a máquina que o matou.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Mas não foi só isso... — completei, com um forte peso na consciência. Marjan era de confiança, precisava contar sobre Willem Lucassen e dividir aquela carga com alguém.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Sim, eu sei, foram milhares de mortos só aqui na região da base... milhões ao redor do globo... mas não há indícios de que eram pessoas saudáveis. Além do mais, não fomos nós os responsáveis, estamos lutando contra isso — prosseguiu Marjan, sentando-se ao meu lado, dividindo o pequeno banco individual do vestiário.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Não são só eles também... — recostei minha cabeça em seu ombro. — Seu filho, Willem Lucassen, estava na guerra e foi gravemente ferido. Recebi um pedido de socorro e enviei uma equipe de resgate. Ainda não sei o que aconteceu, mas recebi um atestado e um áudio anexos a uma mensagem que anunciava seu falecimento.

Ayreon: O Experimento FinalOnde histórias criam vida. Descubra agora