(Des)Esperança

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ㅤㅤ ㅤㅤEstava acontecendo. Naves se enfrentavam na nossa janela e víamos tudo o que adorávamos observar reduzir a cinzas. Aos poucos os céus perdiam sua tonalidade roxeada e escureciam em uma gama avermelhada, como a que tínhamos visto pela TV, enquanto rachaduras luminescentes se abriam no solo ao redor.

ㅤㅤ ㅤㅤLuzes de todas as cores adentravam a janela e tudo o que podíamos fazer era correr, gritar e tentar fazer algo. Por sorte, nosso grupo estava em um galpão tecnicamente resistente a destruições, o que não era verdade para o meu antigo laboratório que, a esse momento, certamente já não existia mais.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Precisamos fazer algo! — berrava o sargento Wilson, líder da equipe Theta, responsável pela frente de batalhas.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Não vejo saída, senhor — retrucara um de seus subordinados. — Esta não é uma guerra química, é muito mais que isso. Não temos condições para o combate.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Alguém precisa fazer algo. Se vocês não forem, eu tomo a dianteira--

ㅤㅤ ㅤㅤUm estrondo em nossa porta tomou a voz de Wilson. Luzes invadiam a janela para completar o show. Ainda que soubéssemos de nossa proteção, cada pessoa ali ficara estática.

ㅤㅤ ㅤㅤBombas explodiam no solo. Cientistas corriam por toda parte. Turbinas berravam do lado de fora e novas se iniciavam do lado de dentro. Cada segundo, um botão apertado, uma tentativa de salvação. Sem sucesso.

ㅤㅤ ㅤㅤAo longe, cada líder apontava uma saída, menos eu. Eu apenas observava paralisado, agarrado a Lisa. Observava Erik e Marjan conduzindo minha equipe a bunker norte, mas nada conseguia fazer. O ar quase não saía do peito. O de Lisa, nem sequer existia, perdera até mesmo a cor.

ㅤㅤ ㅤㅤDo lado de fora, ganchos prendiam as naves danificadas ao solo. Estes ganchos machucavam o concreto e abriam ainda mais crateras.

ㅤㅤ ㅤㅤO salão principal estava vazio, as telas rachadas e nós dois esquecidos ali, estáticos, encarando a janela maior. Em minutos, uma cratera enorme se abre e seu conteúdo separa dois golpes de lasers. Diante de meus ouvidos, um estrondo. Diante de meus olhos, um show de psicodelia. Em meus pulmões, um último e poderoso suspiro. Neste suspiro, empurro Lisa contra o chão e rolo para debaixo de si, amortecendo a queda.

ㅤㅤ ㅤㅤAlarmes ressoavam, luzes piscavam mais fortes que o efeito exterior. As passagens se lacravam por segurança, resultado do sistema de emergência. Os sistemas se desligavam. Tínhamos poucos segundos se quiséssemos sair de lá, mas as condições não eram favoráveis.

ㅤㅤ ㅤㅤConsigo retomar o movimento, mas não digo o mesmo do fôlego. Faltava ar, mas não era apenas físico. Realmente, o ar estava ficando escasso no ambiente. Uma tontura invadia meu cérebro. Com o resto de força que me restava, agarrei Lisa e me arrastei até a sala de simulação.

ㅤㅤ ㅤㅤAdentrei a minúscula sala, sem sequer acender as luzes e bati a porta reforçada, que automaticamente se selou como as demais. Caí imediatamente, estirado ao chão.

ㅤㅤ ㅤㅤEstava temporariamente seguro. Os geradores do local iriam fornecer os recursos que precisávamos enquanto houvesse energia. Este era o segredo da sala de simulações, era capaz de sintetizar virtualmente qualquer tipo de elemento natural. Mas de nada adiantava se não desse os comandos.

ㅤㅤ ㅤㅤNão havia ar nem mesmo para emitir som. No vácuo, minha voz era inútil e o robô não conseguia se iniciar. Minhas vias aéreas estavam endurecidas, meus braços tremiam enquanto tocavam Lisa para checar seu estado. A rápida respiração de Lisa se enfraquecia cada vez mais e um som agudo saía de suas narinas. Precisava apenas alcançar o botão. Não por mim, mas por ela.

Ayreon: O Experimento FinalOnde histórias criam vida. Descubra agora