Colapso

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ㅤㅤ ㅤㅤEram 120 pessoas mortas por uma guerra que ele ajudara a travar, aquilo ecoava na cabeça de Willem. Por mais que estivesse defendendo o planeta, sabia que tinha culpa em tudo isso. Ainda que debilitado, precisava se movimentar para corrigir ao menos parte do que fez.

ㅤㅤ ㅤㅤAlgumas horas já haviam se passado, mas aquela manchete ecoava na cabeça do soldado como uma tortura. Não conseguira assistir mais nada desde então. A enfermeira já havia lhe levado o jantar, mas não conseguira comer sequer uma colherada da sopa que lhe foi oferecida, não achava justo se alimentar enquanto pessoas morriam desnutridas, com suas casas destruídas e sem seus amados que foram vítimas dos disparos ou da radiação.

ㅤㅤ ㅤㅤE mais uma vez, tudo o que Willem era capaz de pensar além de toda a tragédia era em como realizaria o sonho de seu filho em trazê-lo para visitar a Terra e conhecer seu avô. Era quase impossível acreditar nas palavras otimistas de Francis, ele sempre fora sincero demais em seus olhos e naquele momento havia refletido o fogo que consumia o planeta, ainda que sua boca dissesse o contrário.

ㅤㅤ ㅤㅤTudo era incerto, o destino da Terra era incerto, talvez o destino do universo fosse tão incerto quanto. Seu pai estava condenado e, talvez, junto com ele, estaria sua mulher, seu filho, seu melhor amigo e toda a próxima geração. A única certeza que aquele homem tinha é que deveria fazer algo, o que dificilmente seria possível preso àquela cama com diversos condutores presos por todo seu corpo.

ㅤㅤ ㅤㅤWillem sabia que era arriscado, a enfermeira já havia lhe contado dias atrás que sua situação era crítica e que alguns minutos a mais que ficasse ali morreria. Disse ainda que provavelmente passaria alguns meses, ou talvez anos, dependente de algumas nanomáquinas para garantir sua sobrevivência.

ㅤㅤ ㅤㅤNão queria morrer, queria poder dar tudo o que prometeu e ver a reação de seu filho ao conhecer o planeta, queria vê-lo crescer e se tornar o primeiro humano de Marte, queria ainda ditar os próximos passos da evolução humana, mas o senso moral do astronauta também falava alto. Seria justo viver pela vida dos outros? Compensaria guardar sua vida e perder a de outros bilhões de pessoas? Talvez vivesse apenas para viver a destruição, ou ainda vivesse para reconstruir. Se conseguisse, seria um deus para a nova geração, mas por que um deus mataria para criar?

ㅤㅤ ㅤㅤA dúvida era grande, mas o instinto de Will decidia por si só. Tinha que fazer algo, precisava se levantar dali e fazer ao menos o movimento final, algo que pudesse mudar a história de uma vez por todas. Mas queria ainda deixar seu legado.

ㅤㅤ ㅤㅤConhecedor da tecnologia avançada, como todo amante da ciência, o soldado sempre andara com transcritor de atividade cerebral, bastante comum para guardar informações em momentos acelerados, onde não temos tempo de gravar algo, como em esportes radicais. Com certo esforço, conseguiu alcançar a calça que se encontrava no cabideiro de aço ao lado da cama, pegou o dispositivo no bolso de trás e dispensou certo tempo gravando todos os dados mais importantes de sua trajetória, além de algumas mensagens especiais para algumas pessoas. Com a gravação terminada, em um simples toque no holowatch, fez sua mais importante ligação.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Fala Will, está tudo bem? — atendeu Francis, preocupado, porém tentando esconder do astronauta os detalhes.

ㅤㅤ ㅤㅤ— Lógico, não tinha como estar melhor! — afirmou Will, tentando acalmar o amigo. — Como está o pessoal aí?

ㅤㅤ ㅤㅤ— Ah, tá todo mundo bem. Estamos jogando um truco e comendo marshmallows no fogo dos prédios — blefou, em tom de brincadeira. — Ei, Justin, para de fumar radônio do combustível! Deixa eu sair do telefone que vou te pegar!

Ayreon: O Experimento FinalOnde histórias criam vida. Descubra agora