026: Um surto meu, um presente teu

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Yudis passou o dia comigo e maratonamos uma série qualquer que achamos na Netflix. Ela trouxe batatinhas, docinhos que a mãe dela fez, mais alguns chocolates e ficamos dentro das cobertas até que ela teve de voltar para casa porque surgiu um jantar de última hora na casa dela. A chefe da tia Banu irá jantar na casa da minha amiga, junto da família dela. Yudis só não fica chateada com esses jantares porque o filho da chefe da tia Banu é um docinho de criança.

Nós, em contrapartida, acabamos de dizer amin assim que vovó Yame finaliza a oração e começamos a nossa refeição de fato.

Querin não está na mesa. Na verdade, desde cedo não o vi pela casa. Quis perguntar para o meu irmão sobre o seu amigo, mas o motivo de ter passado o dia com Yudis meio que me fez deixar o assunto de lado.

No geral, a mesa não costuma ficar no silêncio fúnebre que se encontra hoje. Antes a gente brigava ou trocava farpas, nas últimas semanas, temos conversado bastante, mas agora ninguém está falando com ninguém. Cada um está viajando nos seus próprios pensamentos, concentrado no seu próprio prato.

Assim como eu, Bursinha não aparenta estar com a mesma vontade que Ur tem de comer. Ela está amuada e triste. Penso se tentar falar alteraria o ânimo de todos, mas chego a conclusão de que o melhor é ficar quietinha antes que piore a situação. No entanto, meu irmão não parece pensar igual a mim, depois que bebe um gole de água, ele decide quebrar o silêncio com uma informação que me deixa curiosa. Muito curiosa.

— Querin não conseguiu chegar a tempo do jantar. Teve alguns contratempos.

Esse comentário me leva a perguntar se isso tem haver com a ligação que recebeu ontem de noite.

Papai assente.

— Sei disso. Falou comigo mais cedo sobre o assunto e lhe ofereci ajuda caso fosse necessário.— Decidiram falar em código agora? — Só não me disse quando retornaria. Voltará ainda hoje?

— A-hã. — Ur replica tranquilamente.

— Podem por favor parar de brincar com a comida, meninas? — Nossa mãe nos alerta, o tom de voz calmo. Eu olho para minha comida e depois para Bursüm. Bursüm faz o mesmo, mas logo torna a olhar para o próprio prato.

— Estou sem fome — diz Bursüm.

— Perdi o apetite — eu falo.

Ambas afastamos os pratos um pouco para longe e recebemos olhares de repreensão da nossa avó. Mas ela não diz nada. Deixa que mamãe resolva sozinha.

— Algum problema? Posso levá-las ao médico amanhã. Não podem simplesmente ficar servindo e logo depois jogar a comida fora. Cada porçãozinha vale muito, e espero que valorizem isso.

Nós dizemos que não a pergunta e repensamos nossa decisão. Acabamos comendo, mesmo que com esforço.

Após o fim do nosso jantar tenso, meus pais se diregem a sala para ver telejornal, vovó leva Bursüm para deitar e Ur me ajuda a recolher os pratos. É o meu dia de lavá-los, e agradeço que ele tenha decidido me fazer companhia mesmo que sua concentração esteja no celular até ao momento no qual finalizo minha tarefa e começo a limpar a pia em si.

— Estou pensando em me mudar. —me viro para ele, surpresa.

— Como assim?

— Morar em outra casa.

— Ué, peraí. Mas por quê?

— Quero viver novas experiências, ter um lugar meu onde não haja tanta gente junta e possa me concentrar quando a faculdade começar.

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