029: Um pedido de desculpas

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Em certo momento quase me apego a ideia que Querin ficaria chateado ou algo assim pelo meu pedido. No entanto acontece exatamente o contrário.

Ele ergue a mão em um pedido para que lhe espere e busca por algo dentro dos seus bolsos. Seu celular. Querin desliza o dedo pela tela e vai repetindo o processo até virá-la em minha direção e me apresentar a uma imagem que faz meus olhos marejarem patéticamente ao passo que se iluminam de felicidade também.

Na foto, sua mãe, uma senhora de olhos escuros cintilantes, cabelos castanhos exageradamente longos e uma pele clara está sentada em um banco alto com uma garotinha sorridente de cabelos curtos da mesma cor aos da mãe, porém com os olhos verdes igual ao do senhor que aposto ser o seu pai. O qual está ao lado delas com Querin em sua frente. Ele tem os cabelos negros, o olhar intenso que reconheço no garoto ao meu lado, a barba bem feita e uma postura rígida que contrasta demais com o sorrisinho de canto nos lábios finos em tom pêssego.

A impressão que tenho é dessa imagem transmitir tudo aquilo que eles eram como família ocultando mais. Decido isso pela forma que todos eles sorriem, não é apenas pelos cantos dos lábios repuxados, são os olhos revelando a felicidade de cada um ali.

Eu ergo a cabeça com um sorriso amarelo esboçado no rosto. Querin já está me encarando quando olho para ele novamente.

— A sua família era tão linda — confesso. — Você e a Yansel eram o posto um do outro, a combinação perfeita de seus pais.

Querin assente.

— Sim, eu sou fisicamente mais parecido com a minha mãe e Yansel com o meu pai. Mas muito do meu caráter tem mais a ver com o meu pai, creio por sempre ter sido mais próximo dele.

— Ele tinha todo esse jeitinho reservado? — Eu me arisco a usar o tom um pouco divertido.

Ele faz que sim.

— A-hã. Ele nunca foi de muitas palavras, mas quando falava sempre conseguia me impactar com tudo que dizia para mim. O admirava imensamente por isso. — É doloroso que ele ainda fala com um quê de remorso mesmo que não se aperceba.

Querin está com uma das pernas cruzadas e a outra esticada, já eu, pelo contrário, cruzei ambas e estou de frente para ele. Aprecio um pouco mais a imagem, e vejo com minuoscidade cada detalhe dos seus parentes que me fazem lembrar dele. É fácil reconhecer, pareciam a cópia misturada um do outro.
Fico me perguntando como deve ser ter a vida dele. Acredito que nada fácil. Assemelham a dor da perda como um tiro em um área vulnerável do corpo como o estômago, por exemplo. Nunca passei por nenhum deles, mas, pelas descrições, é uma dor insuportável em muitos casos.

Não me passa pela cabeça como é levar três tiros certeiros em curtos espaços de tempo.

— Qual a pior parte desde então? — Faço a pergunta quando ergo o meu tronco e lhe devolvo o celular após agradecer por me mostrar essa parte dele.

Querin franze a testa, um pouco confuso, até no minuto seguinte se aperceber do que estou perguntando e assumir uma postura meio derrotada meio confirmada.

— Quando realizo algo muito importante para mim e nenhum deles está aqui para compartilhar esse momento comigo. É tenso.

Eu toco a sua mão com a minha e dou um leve aperto confirmando que estou aqui.

— Sinto muito.

— Eu sei, eu também. Mas chega uma fase onde tudo que podemos fazer é aceitar que não tem volta, e, então, seguir em frente na melhor ou na pior.

— Como você está agora?

— Um pouco estressado, nessa época meu nível de estresse é relativamente mais alto por se tratar da véspera de morte deles... Hoje mais cedo me perguntou onde eu estava. Tinha ido fazer uma visita à eles, é meio terapêutico para mim. Logo tive de passar algumas horas extras no trabalho por conta do atraso. Sem contar que estou preparando as coisas para a missa de quatro anos deles e os cinco da Yansel.

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