025: Toda ação tem sua reação

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Em algum momento me questionei se haverá uma noite de sono sequer a que ao menos irei me referir a ela como agradável. Porque isso não aconteceu ontem. Minha noite foi horrível e embora não esperasse por algo diferente, ainda mantinha um fiapo de esperança de que, assim que meu pai se retirasse do meu quarto, iria realmente poder fechar os olhos e esquecer das últimas quarenta e oito horas.

Mas eu não poderia estar mais enganada...
Me virei e revirei várias vezes em minha cama tentando arrumar uma posição perfeita para dormir. Não achei. Pois o problema não era conforto, mas sim a forma perturbadora como os meus pensamentos me atingiam. Me faziam sentir culpada e coberta de remorso.

Comecei a ficar chateada comigo, e tentei me convencer de que a ideia do meu pai não poderia estar mais errada. Eu queria que ele só estivesse blefando ou algo assim. Que quando eu acordasse, isso se conseguisse dormir, tudo não passasse de uma ideia espontânea e passageira dele.
E foi ao acordar, uma hora depois de ter conseguido pegar no sono, que entendi: por mais que quisesse, as coisas não saíriam como eu queria.

Penso nisso desde que abri os olhos. Estou ferrada. A afirmação permanece em minha mente enquanto pondero se irei sair do quarto hoje. Lá em baixo não há muita movimentação. É segunda, e suponho que meus pais já tenham ido trabalhar. Não sei de Ur, acredito que esteja aproveitando as férias para dormir um pouco mais. Muito provavelmente a estas horas Querin já tenha levantado, se para ficar em casa ajudando minha avó ou simplesmente ter ido a algum lugar, não faço ideia.

Mas gosto que ninguém tenha vindo me perguntar se estou bem. Eles estão fazendo parecer que estou doente e detesto isso.
Detesto tanto que faço careta quando batem a minha porta, ainda assim, o nervosismo se faz presente em meu corpo. Minha voz fraqueja assim que digo que a porta está destrancada.

Tenho perdido o hábito de a deixar trancada como antes.

Ao ser empurrada para dentro, da porta tenho a visão de Yudis vestida casualmente, com uma blusa larga de mangas caídas e por baixo legging, os cabelos em uma única trança passada pelo ombro esquerdo e presa por um elástico. Ela está sem maquiagem, o que é bem peculiar de se ver, e uma aparência de quem acaba de chegar a um funeral.
Senhor Ardiloso ela segura na mão esquerda.

— Toc-toc — ela sussura, ainda parada na soleira da porta, dando uma batida leve na mesma. — Há espaço para a nossa Yudis aí?

Dessa vez é o Pandinha quem fala. Não consigo esconder um sorrisinho. Eu assinto, me afasto para o lado da parede e ela senta do meu lado com as pernas esticadas. Ergo a coberta, lhe convidando a entrar, Yudis aceita e ambas nos encostamos na cabeceira, nos submetendo a um fatídico silêncio por longos minutos.

Escolho ficar olhando para as minhas mãos que para os olhos da minha amiga. Sei que a decepcionei, que a magoei. Só não sei o quanto. E é isso que mais me dói, que tenha destruído o que havia de bom com eles por um efêmero momento de instabilidade provocado pela bebida.

Eu estremeço ao contato hesitante de sua cabeça no meu ombro, e exalo bem devagar quando a sinto fazer o mesmo antes de cobrir uma das minhas mãos com a sua e entrelaçar nossos dedos sobre o colo.

— Fiquei com tanto medo de perder você, Igh... E me senti tão mal por ser uma amiga horrível assim. Como não percebi antes?

Eu nego com a cabeça, baixo o olhar e a encontro me encarando de volta.

— Você não é uma amiga horrível, Yudis. É a melhor que eu poderia ter. Eu só... Estava um pouco bêbada naquela noite e não pensei nas consequências.

— E pensou nisso antes? Ou na gente? No quanto significa para nós?

Desvio o olhar, um pouco chateada. Como ela pode dizer algo assim?

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