032: Escolha final

108 25 332
                                    

— Já volto, fique aqui — Querin pede ao se levantar no mesmo minuto que decido que vamos ficar mais tempo no jardim. Apenas faço um gesto com a cabeça, concordando e o vendo se dirigir até casa.

Quando está de volta trás consigo um lençol dobrado e a parte de cima do seu moletom. O garoto me passa o agasalho e passa a tentar desdobrar a coberta, e acho tão engraçado a dificuldade que ele tem em fazer aquilo que acabo me levantando e o ajudando assim que visto o moletom, mantendo o zíper aberto.

— Senhora Yame merecia um prêmio por dobrar lençóis com tanto empenho — murmura ele resignado ao espertigar o lençol de modo que ele se estenda por completo. Eu rio, e deixo que ele nos cubra no momento que voltamos a nos sentar na grama fria.

— Nem ouse fazer esse comentário para ela, vai que se sente ofendida — eu devolvo em tom divertido, me aproximando mais um pouco dele. A este ponto nossos braços se tocam, porém o toque não é direito devido aos tecidos de nossas roupas.

Querin ergue as mãos na altura do ombro na defensiva, mas tem a sombra de um sorriso brincando nos seus lábios.

— Não ousaria, acredita. — Garante ele, afastando para longe a bandeja com as sobras de comida. Eu acompanho o movimento, atenta. É um gesto simples quando ele se deita na lateral do corpo e apoia a cabeça na mão de modo a estar me encarando diretamente nos olhos.

— Você não trouxe nenhuma almofada... — comento sem desviar os olhos dos seus. Ele me dá um sorrisinho tão bonito que sinto minha estrutura toda estremecer.

Deus...

— Talvez eu quisesse que você me usasse de almofada — pondera ele divertidamente. Eu rio e o soco de brincadeira na boca do estômago. Querin dá um risada suave também, mas está me olhando com certa expectativa que me faz morder de leve o lábio inferior. — Porque de qualquer forma não irei voltar lá dentro, sabe disso, não? E é só uma sugestão, não leva a sério.

Eu dou outra risada baixinha, ele parece um pouco nervoso. É como se temesse que seu comentário me fizesse ficar desconfortável. Perceber isso nele me conforta a ponto de eu balançar a cabeça e me aproximar ainda mais dele.

— É uma boa sugestão — digo ao ficar deitada perpendicularmente a ele. Um pouco hesitante arrasto o corpo para baixo de maneira que minha cabeça encoste seu abdômen e minhas pernas curtas fiquem estiradas para frente. Sinto como seu peito sobe e desce sob mim quando ele respira profundamente. É, acho que ele entende muito bem o que sinto perto dele. — Pode se ajeitar um pouquinho? Quero poder olhar para você daqui.

Ele não diz nada, mas faz o que peço. Dá a impressão de estar assimilando minha decisão de estar tão próxima. De uns tempos para cá temos avançado tanto no contato que me surpreendo comigo mesma.

Quando já estamos numa boa posição, eu ainda não estou o encarando de verdade. A timidez. Ela está me consumindo nesse momento e já devia estar a espera disso na verdade. Estou prestes a falar de algo que não faço com frequência, acho que posso pegar leve comigo mesma por enquanto.

Eu encaro o céu nublado, hoje não há sequer uma estrela brilhando lá em cima, o que faz parecer o jardim ainda mais escuro que o costume. Levo as mãos a barriga e as entrelaço ali, um pouco ansiosa. Então limpo um pouco a garganta e não contenho o suspiro ao sentir os dedos dele fazendo um carinho preguiçoso em meus cabelos. De novo.

— Querin, agora a pouquinho eu disse que havia mentido sobre te detestar. E isso é pura verdade. Eu não te destesto. Só que... Eu também menti sobre outra coisa.

Seus dedos param de súbito, como se esperassem o que vem a seguir. Uma promessa silenciosa que depois daqui tudo pode pender para um lado diferente entre nós.

Marcas do Passado [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora