07: Quero conhecer você

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Era assim, reuniões de família só aconteciam quando era algo muito sério a ser tratado. Pois como eu disse, nessa família há desencontros diários entre as pessoas.

Eu já podia imaginar sobre o que seria, porém não queria pensar no pior. Não por agora. Talvez eu queira parecer muito otimista ou talvez esperançosa em tentar me convencer de que o doutor simplesmente deu algumas dicas de como evitar que o mesmo caso de hoje aconteça. Mas bem lá no fundo consigo sentir que é uma mentira péssima que estou inventando para mim mesma.

Eu me sento no braço do mesmo sofá que Ur e mamãe estão sentados. Enquanto que o amigo do meu irmão está indo em direção à cozinha para deixar que a família converse a sós. Entretanto, antes mesmo que ele complete o percurso, o meu pai se pronuncia, me deixando confusa.

— Querin, não há necessidade de você se retirar uma vez que está morando aqui também.

Tudo parece parar ao meu redor. Ou ir rápido demais porque não consigo acompanhar direito o que acabo de ouvir.

— Como assim, mora? — pergunto num tom afiado, Ur ri.

— Igh, você é tão distraída que passa as refeições quase há um mês com ele e não percebe que Querin mora aqui. — Meu irmão fala entre risos, maneando a cabeça.

— Como trazem alguém para morar aqui e ninguém me fala nada? — Eu pergunto incrédula.

— Não é hora e nem momento para falarmos sobre isso. Depois, nós tratamos desse assunto. — "depois" era a forma do meu pai encerrar conversas, porque esse depois nunca acontecia. E pondero que todos já nos conformamos com a ideia. — E para recordar, a casa é minha e entra quem eu quiser que entre.

Cruzo os braços e reviro os olhos, chateada. Parece que nenhum deles tem consideração por mim, o que me irrita demais. É muito difícil me colocar a par disso ou a menos colar a maldição de um post-it na porta da geladeira dizendo: agora temos plateia para se entreter com as nossas discussões?

É muito difícil ao que parece. Mais fácil é deixar informado que não irá participar da refeição por reuniões importantíssimas.

— E a sua suposta reunião que não lhe permitiria chegar a tempo do jantar? — Meu pai não acha agradável o tom com que eu falo. Ele fita o teto por segundos antes de me encarar duramente.

— Teve de ser cancelada pelos imprevistos que ocorreram durante o dia.

— Imprevistos? — eu desceuzo os braços sem acreditar que ele considera a minha avó um empecilho para si. — Então é isso que acha da situação da sua própria mãe? — Ur me cutuca na cintura, portanto eu me afasto muito rápido do seu toque.

— Igith... — Meu pai está me repreendendo apenas com o meu nome saindo afiado no tom grave da sua voz, não precisa nem terminar para saber que ele está ficando frustrado com o início desta reunião.

— Já não bastava esquecer da sua outra filha, agora tem que dizer que minha avó é um imprevisto na sua agenda?

— Vamos ouvir o que o seu pai tem a dizer, Igith. — minha mãe se pronuncia pela primeira vez tão calma e direita, sem se dar ao trabalho de me olhar porque pelos vistos ainda não esqueceu daquela briga de semanas atrás.

— Então, o que eu queria dizer antes de ser interrompido — meu pai deixa bem claro que sou eu quem o levou a isso quando me encara por míseros segundos antes de voltar a atenção a todos —, era sobre a vossa avó.

Acho que minha posição defensiva ou de ataque está cedendo a cada segundo que processo o que já devia ter feito. As palavras que vem a seguir.

— Pelo que entendi do doutor, foi descoberto um câncer maligno recentemente desenvolvido no pulmão direito dela. E...

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