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Minha avó me obrigou — literalmente — a ajudá-la com as plantas enquanto a mesma ia à mercearia no centro da cidade. Ela me fez escolher entre sair e cuidar de suas amiguinhas. E bom, eu não acho tão ruim assim fazer jardinagem.

Eu me agacho para poder cortar as ervas daninhas que estão crescendo ao redor das roseiras. E a única pergunta corrosiva que não me deixa durante o processo todo é: por qual motivo isto existe. É tão irritante arrancar estas raízes.

Pego uma pázinha de lado e com a ajuda do objeto eu organizo a terra conforme aprecio as rosas tão rubras ao reflexo dos poucos raios do sol que escapam entre as nuvens hoje. Admiro o quão são bem cuidadas pela mais velha da família e decido que cada qual tem uma arte a que lhe foi dedicada.
É raro que eu trabalhe a terra e pode as plantas, prefeito antes desenhar o trabalho que a minha avó faz.

Ouço o som da porta de tela batendo contra o vão alguns metros atrás de mim, indício de que alguém está se aproximando. Eu não me viro no mesmo instante, porém a figura que se agacha bem do meu lado no minuto seguinte, me faz vacilar um pouco no ato que eu exercia com a pá.

— Vocês gosta de flores? — pergunta o moço de mais cedo. E não sei se me sinto muito bem porque por instantes meu peito parece que vai arder juntamente com a minha pele. Será que esses raios de sol estão tão intensos assim?

Estou de joelhos, então me afasto um pouco porque não suporto que ele se aproxima tanto de mim. E tento me convencer de que isso só tem haver com meus problemas internos.

Eu não olho para ele. Mas estou ponderando se merece uma resposta minha.
Não sou mal educada, mas por vezes consigo atravessar certos limites impostos pelos meus pais.

No canto do olho, pela primeira vez tenho um vislumbre do moço. Esta quieto, como se ainda esperasse alguma reação me mim. Ele também não me encara. Sua atenção está fixa nas flores a que eu estou cortando alguns caules agora.

— Depende. — Decido responder vagamente quando ele eleva a mão até uma das rosas e toca com delicadeza as pétalas vermelhas.

Sua mão está bem próxima da minha quando faz isso, mais para cima, sem intenção de descer. Mas eu repito comigo mesma que não quero me importar.

Eu não vou me importar.

Eu não preciso me importar.

Recito essas palavra, mas inutilmente, porque enquanto decido me concentrar em não pensar na presença dele, eu magoo sem querer o pulso contra os espinhos pontudos das roseiras. E sou estúpida em apenas perceber isso ao sentir a urgência  do sangue querendo brotar da abertura feita na minha pele.

E neste momento me arrependo muito de não ter usado as luvas que minha avó usa regularmente para sua proteção.

Eu aperto os olhos pela dor e amaldiçoo em murmúrios que este corte tão pequeno me faça sentir tanto.
Jogo a pá de qualquer maneira e uso a outra mão de suporto para o pulso ferido.

— Está sangrando, o corte foi profundo? — Abro os olhos de imediato e quero tanto xingá-lo por não desaparecer daqui.

Eu me levanto, um pouco irritada com ele é comigo mesma. O vejo levantar também e ficar de frente para mim, posição que eu não me permito ficar mais de um minuto antes de me virar segurando meu pulso pela parte externa evitando contato com a região fluindo o líquido carmesim de mim.

— Como quer que eu saiba? — Minha pergunta sai num tom afiado conforme eu sigo o caminho de blocos que leva a porta de casa.

E meu Deus, esse cara não cansa de me seguir?

Marcas do Passado [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora