020: O passeio perfeito - Parte II

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Cortei os meus cabelo de madrugada.

Eram duas da manhã quando despertei de um sono de menos de meia hora. Estava tentando desenhar assim como faço regularmente em dias de insônia, entretanto hoje não deu resultado algum para mim. Comecei a ficar frustrada, para além de estar malditamente nervosa eu parecia que estava prestes a ter um surto.

E antes que algo do gênero acontecesse, como uma luz no final do túnel eu olhei para o meu estojo e ali estava o objeto que me instigou a fazer algo que já desejava fazer há muito tempo e a falta de coragem me impedia: cortar parte do meu cabelo.

Eu tinha percebido o quanto gostava de saber que Querin os adorava e de alguma modo isso me deixava feliz também, porém faziam alguns dias que eu não me sentia tão bem com o cumprimento deles, estava os olhando frente ao espelho e, com toda coragem que tinha comigo eu passei as lâminas com cuidado pelas pontas, e fui reduzindo e alinhando com o máximo de cuidado até que estivessem na altura do meu pescoço.

E embora eu não seja uma profissional em cortes de cabelo o resultado me agradou bastante e naquele momento eu percebi: aquela tinha sido a primeira decisão boa que eu tomava por mim mesma em anos, e ter ciência disso instalou no meu peito uma sensação de conforto que pouco sentia quando estava sozinha nos últimos dias.

E eu me decidi; aproveitaria o máximo o dia de hoje apesar de não ter dormido mais que duas horas apenas. Vestida em uma calça jeans colada e uma blusa do meu tamanho eu passo rimel nos cílios para lhes dar uma coloração mais viva e um pouco de pó de arroz nas bochechas que disfarçam a minha palidez. Suspiro. Me olho no espelho mais uma vez e faço careta ao olhar para os meus seios. Eu detesto que eles parecem crescer a cada dia. Desisto de usar a primeira blusa, troco para uma maior e saio do quarto antes de vestir uma bata de vez.

Todos estão à mesa na cozinha comendo da diversidade de iguarias preparadas para o kavahalti. Lhes dou um breve “oi” e passo a pegar na minha caneca no armário antes de me sentar ao lado da minha avó. Me sirvo de café e pego um pouco de azeitonas com queijo branco para o meu prato, quando ergo o olhar para pedir que alguém me passe a cesta com os pães eu noto por fim olhares curiosos dirigos a mim. Travo e arqueio levemente uma sobrancelha, sem entender eu pergunto:

— Ei, aconteceu alguma coisa?

Ur parece não acreditar no que digo e cede os ombros para baixo, coloca uma porção de salda de fruta na boca antes de soltar uma única risada nasal que eu entendo como “você é impossível”.

— O que aconteceu com você, mana? — Bursinha pergunta hesitante, hoje ela parece muito quieta, mas se atreve a interagir comigo parando de degustar da sua torta de mirtilos por segundos. Eu semicerro os olhos na sua direção, como sempre sentada ao lado de Querin que aponta por cima do meu ombro, eu olho para lá e então sorrio ao compreender o porquê até os meus pais estão me olhando pasmos.

— Ah, eu decidi mudar um pouco. Ficou bom, não? — Papai somente faz que sim e parece desistir de tentar entender os meus motivos após negar levemente com a cabeça.

— Claro, mas isso foi...

— Inusitado, típico da Igith. — Ur completa o raciocínio da nossa mãe de bom tom. Eu lhe mostro a língua e recebo um piscar de olho de seguida.

— Ficou incrível minha linda. — Vovó Yame diz para mim, voltando-se em minha direção antes de passar os meus cabelos para trás da orelha. — Só vai precisar de acertar um pouco essas pontas para ficar perfeita, não acha Querin?

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