033: Recomeço

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Nunca, jamais, reparei no quanto o pessoal de casa era silencioso pela manhã quando se preparavam para seguir suas rotinas diárias até hoje — em plena quarta-feira — ouvir o barulho infernal que alguém fazia no andar de baixo.

Deus, que horas são mesmo?

Eu arrasto meu rosto no travesseiro a fim de me livrar do cansaço da noite anterior no mesmo tempo que tateio ao meu redor a procura do meu celular para ver as horas, até me lembrar, poucos minutos depois de estar sentada, que perdi o aparelho em algum lugar e não o encontro desde domingo.

Como eu posso ser assim, hã?

Eu devia estar mais preocupada com o meu celular, não? Talvez, entretanto agora estou curiosa em saber quem foi o responsável por me acordar, e mais, onde foi o dito cujo agora que o barulho foi substituído pelo habitual silêncio.

Me empurro para fora da cama em direção ao banheiro onde escovo os dentes e lavo o rosto pálido com traços de um madrugada passada em branco, porém, desta vez não é cara de derrota que tenho, hoje consigo notar meus lábios levemente esticados em um sorriso discreto, responsável por me lembrar de tudo quanto aconteceu mais cedo neste mesmo banheiro e logo depois no jardim de casa para se finalizar no escritório do meu pai.

Suspiro, mas tenho para mim que este foi de alívio ou algo assim. Eu estou me olhando no espelho e não desvio o olhar nem um segundo sequer por repulsa. Essa é você Igith... Lembro para mim mesma, e rio um pouco da situação caótica que estão meus cabelos quando saio do cômodo e sigo à cozinha desse mesmo jeito, lá onde encontro apenas minha irmã tomando cereal consoante cantarola baixinho uma música infantil.

Eu chego de supetão atrás dela e inclino o rosto de modo que possa deixar um beijo estalado na bochecha dela, o que mais detesta por sinal.
Bursinha vira o rosto no mesmo instante para me encarar sem soltar a colher da boca, tem uma expressão de repreensão no rosto, de quem deixa claro que isso não é coisa de se fazer de repente.

Dou um risinho bem baixo contornando sua cadeira a fim de chegar a que está na sua lateral e poder encará-la melhor. Ela tira a colher da boca e respira fundo, entretanto, não a vejo limpar a região que beijei como de costume.

— Deve parar com isso, mana — reclama ela, fazendo careta. — Não gosto.

— Nem eu — replico. — Mas com você é diferente. — Pisco um olho e me dirijo ao armário, pego na minha caneca e me sirvo de um pouco de café na mesa ao me sentar do seu lado. — Quem estava fazendo barulho tão cedo?

Bursüm dá de ombros, desinteressada. Acho engraçado que quando ela come, conversa é a última coisa que deseja, principalmente pela manhã.

— Não é tão cedo assim. — Paro de sorver minha bebida amarga assim que me volto para porta e vejo a minha vó entrar por ela carregada de dois regadores médios, na certa, vazios. Ela caminha até a pia e deixa os objetos sobre a bancada antes de se virar para mim que já a estou analisando conforme tomo café. — É quase meio dia.

Ela aponta com o indicador para o relógio fixado na parede diagonal da porta do cômodo no qual estamos. Uau, então eu dormi muito mesmo. Ou não. Eram umas três da manhã quando peguei no sono se não me engano.

— São quase dez e meia vovó... — reafirmo. Ela maneia a cabeça sutilmente. — E, bom dia Büyükannem.

Pela forma que ela me olha, com um sorrisinho bem discreto, eu posso presumir que sim, ela já sabe da conversa que tive com meu pai hoje cedo no seu escritório. O que me deixa feliz e ainda mais aliviada quando ela me responde, sem remorso, sem dureza. Apenas como a minha avó Yamenet responderia.

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