Capítulo 3: Não tire os olhos da tela

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Para falar a verdade, descobri que bizarrices não acontecem o tempo todo no cinema, pelo menos não as mais sérias. Comecei a me acostumar com o clima denso e sombrio com o passar do tempo, já estou trabalhando neste cinema a um mês e a única bizarrice extrema aconteceu apenas no primeiro dia.

Meu trabalho é bem básico, normalmente começo o dia sendo recepcionista e vendendo os ingressos, mais para o final do serviço limpo as salas. Hoje eu estava limpando a sala dois, faltava só mais duas horas para o meu horário de trabalho terminar, os clientes nunca faziam muita sujeira, então a limpeza das salas não durava mais do que meia hora. Estava terminando de limpar a fileira "J", só tinham mais duas depois daquela, quando de um segundo para o outro sinto o ar mais gelado e denso, eu sabia que algo iria acontecer.

Antes que eu pudesse fazer qualquer movimento, as luzes se apagaram repentinamente. Droga, eu estava me preparando a um tempo para o dia em que teria que encarar a regra cinco, mesmo assim aquela situação me deixava apavorado. Vi o projetor se ligando sozinho e lembrei que eu teria que assistir a um filme, então sentei-me cuidadosamente e esperei estático algo acontecer.

O filme começou de uma forma um tanto estranha, havia na tela uma sala escura e suja, parecia algum depósito abandonado ou algo do tipo. A única pessoa que estava na tela era um rapaz jovem, ele estava amarrado em uma cadeira e desacordado, dava para ver pequenos cortes espalhados pelo seu corpo e sua aparência era puramente pálida. Um barulho de algo caindo fez o rapaz acordar e olhar para trás da câmera, sua expressão era de mais puro pavor e agonia, ele gritava implorando por misericórdia, seus olhos quase saltavam para fora do rosto enquanto as lagrimas voavam ao seu redor.

Os barulhos de passos iam ficando cada vez mais alto e seus gritos mais agonizantes de serem ouvidos por alguém. Faltava pouco para algo realmente acontecer com o rapaz. Enquanto isso eu estava com muito medo, porém tentando manter a calma e pensando que era apenas um filme. Em apenas alguns segundos uma figura escura, alta, curvada e com um sorriso bizarro e enorme chega, aparece em frente a câmera e enfia um de seus dedos finos, esticados e pontudos na perna do rapaz que cada vez mais gritava de desespero.

-Este rapaz é um ótimo ator, não concorda? -Disse uma voz rouca e baixa, vindo até mim quase na forma de um sussurro, definitivamente aquilo não era humano.

Ao escutar a voz, meus pelos ficaram tão arrepiados quanto pontas de agulhas, a vontade de tirar os olhos da tela e ver quem ou o que estava atrás de mim começou a aumentar de uma forma grotesca.

Se passaram mais vinte minutos de filme, sinceramente não sei como o rapaz ainda estava acordado, eu já teria desmaiado ou até morrido muito antes. A criatura já havia arrancado seus dedos do pé e da mão, feito cortes em seus braços e perfurado suas pernas como se fossem folhas de papel. À medida que sangrava, a pele do pobre homem ia escurecendo até ficar preta por completo. Quando o filme chegou a este ponto, o homem começou a soltar um tipo estranho de som, era uma mistura de grunhido com uivo, loucura e por incrível que pareça, prazer. Observar aquela cena grotesca e ainda ver a criatura rindo à medida que o homem mudava me fez ter vontade de arrancar meus olhos fora.

-Está com dificuldade de assistir esta obra prima? Te garanto que se você se virar para trás e conversarmos olho a olho, com certeza conseguirá apreciar isso tanto quanto eu.

-Quem é você? E quem é esse cara na tela? -A esse ponto, pensar que aquilo era só um filme era uma ideia insustentável.

-Me apelidaram carinhosamente de o homem das pernas longas, quer mais informações? Vire para conversar ou pergunte ao seu tão confiável gerente.

Só depois que ele falou isso que reparei o quão grandes eram as pernas da criatura na tela.

-Quem deu esse apelido a você?

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