Capítulo 1 - Como tudo começou

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Quando acordo, a cama está fria. Meus dedos se esticam a procura do calor reconfortante do cobertor, mas tudo o que sinto é o colchão gelado.

Apoio-me em um cotovelo. Há luz o suficiente no quarto para que eu possa enxergar à minha volta: meus tênis de corrida estão ao lado da porta, prontos para serem usados em minha corrida matinal. Ao lado de minha cama, vejo minhas roupas de ginástica.

Apenas em ver essas coisas, a vontade de levantar me invade. Sempre gostei de me exercitar. Desde pequenininha lembro-me de ir todos os dias ao parque, sozinha, para poder fazer qualquer coisa que deixasse meu coração acelerado por conta da adrenalina. Sempre foi uma sensação libertadora e, sempre que posso, vou me exercitar. 

Respiro fundo e me levanto, andando até minhas roupas. Quando eu as pego, escuto passos se dirigindo até o meu quarto. Aposto que é a minha mãe vindo para se despedir de mim antes de ir para o trabalho. Volto correndo para a cama bem a tempo da porta se abrir. Fecho os meus olhos, tentando parecer que estou dormindo, e torço para que ela caia em meu teatro.

Pelo visto deu certo, pois minha mãe vem silenciosamente até mim, dá um beijo em minha testa, e sai da mesma forma que entrou.

Minha mãe é uma mulher misteriosa. Sequer sei no que ela trabalha. Afinal, sempre que eu pergunto, ela muda de assunto ou diz que é florista. Mas eu nunca acreditei nisso por três fatores: Primeiro: ela nunca, nenhuma vez na vida, me deixou ir ao trabalho dela, alegando que é muito cansativo. Aonde cuidar/vender flores é cansativo? Segundo: ela recebe muito mais do que uma florista ganha. E Terceiro: ela é alérgica a flores.

Meu pai morreu há quatro anos atrás, exatamente no dia do meu aniversário de 12 anos. Eu nunca soube como ele morreu, pois eu estava na escola na hora. Minha mãe disse que enquanto trabalhava (que eu também não sei no que era) apareceu uma cobra peçonhenta, e o picou, ocasionando sua morte. Mas eu não acreditei nela. Bem, como já dá para perceber, eu não acredito em quase nada do que ela diz, por isso eu evito conversar com ela.

Assim que eu escuto o barulho do carro saindo da garagem, me levanto e troco de roupa rapidamente. Coloco os meus sapatos de corrida e desço para comer alguma coisa.

Abro a geladeira e pego uma caixa de leite e um pão. Coloco o pão em um prato e passo nele pasta de amendoim, comendo tudo com calma.

A casa está quieta. Sequer escuto os passarinhos cantando lá fora.

Estranho... Penso enquanto tomo um gole de meu leite. Não está tão cedo assim. Os animais já deveriam ter acordado... Olho para a janela ao meu lado no segundo em que uma pequena borboleta pousa graciosamente no batente da mesma. Sorrio. Até os animais tiram férias...

Enquanto como, observo admirada o pequeno inseto que parece me encarar meticulosamente. Ela não sai da janela até eu me levantar e colocar o prato na pia, e, assim que eu faço isso, ela levanta voo e se perde na vastidão do meu quintal.

Borboleta engraçada... Penso com um sorriso, rindo de leve do comportamento de minha "companheira" inseto. Gostei dela.

— Nem me esperou para comer, little bird? —Reconheceria essa voz de qualquer lugar. Afinal, como não reconhecer? É simplesmente a minha voz preferida... Ah, quantas vezes ela já não me acalmou quando eu passava por maus bocados?

Me viro, localizando Will, meu padrasto. Ele me fita com um sorriso brincalhão no rosto, esperando minha resposta.

Não gosto de chama-lo de padrasto. Chamo-o de pai. Pronto. Não sei por que, mas padrasto me remete a pessoas más, que só querem nos usar... E definitivamente, Will não é esse tipo de cara. Ele é bom; me apoia e ajuda em tudo o que eu faço ou tenho o desejo de fazer. Ele me educa e me dá amor, coisa que minha mãe não faz. Então, para mim, ele pai. Um pai de coração, mas pai. E há coisa melhor do que isso?

—Tenho que aproveitar as minhas férias, não é? —Digo no mesmo tom brincalhão que ele usou comigo - Afinal, está uma manhã linda! Você mesmo disse que eu precisava tomar um ar ontem, não é?

—Tudo bem, me convenceu. —Ele cruza os braços, ainda sem sair do lugar. —Mas da próxima vez quero companhia hein? Tome cuidado.

—Até mais tarde. —Digo, e saio de casa com um sorriso no rosto.

Três anos com Will e eu ainda me surpreendo como nós nos parecemos no aspecto físico. Se eu ficasse lado a lado com ele, você me acharia bem parecida com ele, e poderia até mesmo jurar de pés juntos que realmente temos algum parentesco de sangue. Afinal, ambos temos cabelos lisos, pretos e rebeldes, e os nossos olhos são incrivelmente do mesmo tom de verde.

A única diferença entre nós dois que delata que não temos nenhum tipo de parentesco genético, é que seus olhos dele são puxados, consequência de ser descendente de coreano.

Caminho a manhã toda com a mente limpa. A corrida tem essa habilidade incrível de me fazer esquecer dos problemas, por maiores que fossem, e me sentir leve, como um verdadeiro pássaro.

Olho para meu relógio, percebendo que já é quase a hora do almoço.

Droga. Se eu não aparecer no almoço, Will vai ficar muito triste. Acho melhor voltar. Penso decidida, já me virando para ir para casa.

Quando estou mais ou menos na metade do caminho, tenho a sensação de que estou sendo seguida.

Olho para trás curiosa, vendo um homem com capuz andando alguns metros atrás de mim, claramente não se importando se eu percebi que ele está me seguindo ou não.

Começo a correr e mudo para a outra calçada para me certificar se ele está realmente me seguindo ou não. Afinal, pode se apenas impressão minha ou algo assim.

Não surpreendentemente, ele corre também e vai para a mesma calçada que eu.

Sinto a adrenalina começar a se espalhar pelo meu corpo quando começo a correr com todas as minha forças, virando a esquina, e já sacando o celular do bolso.

Disco o número de Will e aperto em "Chamar".

No segundo toque ele atende, para a minha felicidade.

Quer dizer, não é "ele". Não tem a voz de Will.

—Não adianta tentar fugir. —Diz uma voz grossa do outro lado da linha, que logo deduzo que é a do meu perseguidor.

—Quem é você? Porque está me seguindo? Onde está Will, e o você quer? —Pergunto um pouco mais alto do que pretendia, um tanto surpresa pela enxurrada de perguntas que fiz ao mesmo tempo.

—Calma, seu padrasto está bem. Nada de mal irá acontecer se você for uma boa garota e ir comigo, sem gracinhas. —Olho para trás, já conseguindo ver a silhueta do homem.

—Vá se ferrar. —Grito, e desligo o telefone. Começo a correr de volta para casa. Corro tanto que quando eu olho para trás novamente, o homem não está mais lá "Acho que eu despistei ele" penso.

Quando eu finalmente chego em casa, entro o mais rápido que posso e tranco a porta. Subo as escadas à procura de Will

—Will? —Chamo.

Nenhuma resposta.

—Will? Cadê você? —Sem resposta novamente. Começo a me preocupar com ele, quando algo me ocorre. Desço as escadas correndo em direção à cozinha. Como o esperado: há um bilhete em cima da mesa escrito: "Fui fazer compras, não demoro".

O alívio tomou conta de mim. Agora que sei que Will está seguro, não tenho mais com o que me preocupar. Quer dizer, quase nada. Aquele cara encapuzado ainda me intriga. Afinal, o que ele queria de mim?

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