𝟏𝟒 𝐝𝐞 𝐚𝐛𝐫𝐢𝐥 𝐝𝐞 𝟐𝟎𝟑𝟔

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Fumaça tomava conta da sala apertada, naquele cheiro tão característico de cigarro. Não tinha o costume de fumar, mas ao ver a caixa esquecida acima do balcão empoeirado não resistiu e acendeu um. Uma última vez depois de anos sem nicotina.

Era rotina quando estava trabalhando, uma forma de alívio para aquela vida que odiava com todas as forças e foi obrigado muito cedo a adotar como sua e seguir os passos de seus pais. Nunca teve sonhos, preferia não criar esse tipo de expectativa, mas as coisas mudaram depois que conheceu Julie. Ela foi uma amiga de longa data que dividiu sua história e seu sonho de se tornar piloto, mas o exercito havia sido o único caminho para conseguir, sempre o apoiava, não importa qual fosse a ideia maluca, mas quanto mais ele se afastava do exército, mais se afastava dela. Só voltaram a se aproximar depois do dia em que o parlamento caiu, quando ele quase havia sido punido por fazer uma ligação em turno e ela foi a pessoa que o encobriu.

Ali descobriram que partilhavam dos mesmos ideais.

Hwitaek suspirou, passando as mãos pelo cabelo que já estava de volta a cor natural escura e se permitindo em não pensar em nada.

Depois de cinco anos havia finalmente parado de correr, parado de pensar e planejar cada passo a todo instante. Os olhos vagaram preguiçosos pelos cantos daquela sala, conhecia bem aquele escritório, da mesa de madeira escura até a mancha de vinho no carpete claro. Era no mínimo estranho estar ali sozinho e sem todo o barulho vindo do andar de baixo, sempre fora tão movimentado e cheio de vida, mas agora só ele restara ali, na companhia melancólica de um cigarro vagabundo.

Jamais pensara que veria o Dr. Bebe com olhos tristes, uma mera lembrança de seus amigos mais próximos e dos dias em que não precisava se preocupar em vê-los sendo levados um por um para o meio do deserto.

Não importa o que acontecesse, Hwitaek nunca estava sozinho, mas o último ano foi difícil, solitário em outras palavras. Passava seus dias esperando notícias, caminhando de um esconderijo a outro como um nômade e vendo o tempo passar sem ter ninguém para entrar em contato.

Se sentia egoísta por querer voltar atrás, era jogar tudo o que fizeram fora, mas ao menos não estaria tão solitário, pensando demais o tempo todo. Não conseguia se acostumar a esse sentimento, a ser deixado sozinho.

Foram meses sem notícias depois da prisão de Kino, meses de incerteza que o fizeram acreditar que tudo havia dado errado, até receber uma única mensagem.

"Temos tudo pronto."

Ele deu mais uma tragada e soltou a fumaça por todo o cômodo, tentando deixar as memórias de lado sem sucesso. Se lembrava claramente da última noite em que viu Micha fora do centro de reabilitação, consequentemente, foi a última vez que viu Aya e Wooseok.

Foi em uma noite de novembro, bem naquela sala, que diferente de hoje estava bem cuidada e sem toda a poeira e cheiro de mofo. Micha estava rindo de algo que Changgu havia dito, ambos bêbados demais para parar de rir, Yuto tentava tirar qualquer coisa que fosse alcoólica de perto dos dois junto de Hwitaek que já havia desistido e filmava a bagunça que era os dois rindo até cair. Os únicos sóbrios eram o casal, já que Aya disse que teria empatia pelo namorado que não podia beber por causa do piercing recente. Depois daquele dia Micha havia sido pega e Wooseok se entregado para proteger Aya, que estava segura junto de Yanan e Hyojong.

Tudo aconteceu a tanto tempo, mas para ele parece que havia sido ontem.

— Será que vamos poder construir novas lembranças?

A voz dele soou melancólica, ecoando até desaparecer em meio a escuridão.

Apagou o cigarro assim que o silêncio foi perturbado, ouvindo a freada brusca vinda da rua. Respirou fundo, tentando se preparar para o que estava por vir, porque fácil não ia ser.

Demorou alguns minutos para que conseguisse ouvir as botas tão características no corredor, se acostumou a ouvir esse som todo santo dia. Hwitaek quase riu quando a porta do escritório caiu, não estava trancada, mas eles sempre faziam da maneira mais complicada e performática.

Eram três soldados, Julie no meio, se segurando para manter a postura e não demostrar que estava feliz em ver o amigo depois de tanto tempo.

Hwitaek apenas levantou as mãos, sem nada a dizer e deixou que o algemassem. Os olhos fundos pelo cansaço entregando que já não aguentava mais fugir. E sem relutar se deixou ser levado até o caminhão.

Depois de anos vendo todos serem levados havia chegado a sua vez, foram anos para preparar tudo, esperando o momento e oportunidade perfeita, vendo seus amigos serem levados para longe.

A hora havia finalmente chegado e a última peça seria posta em jogo.

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