𝟏𝟔 𝐝𝐞 𝐣𝐚𝐧𝐞𝐢𝐫𝐨 𝐝𝐞 𝟐𝟎𝟑𝟐

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A voz de Jinho cantando noite a dentro era a única coisa que parecia trazer Micha para a realidade. Tudo parecia um longo pesadelo, onde ela sempre voltava para duas pessoas específicas, rezando para que os dois tenham conseguido fugir da capital.

Não importa o quanto tente focar em outra coisa, seus pensamentos sempre voltavam para Jung Wooseok, mas quando a noite chegava e os prisioneiros eram obrigados a voltar para as celas, Jinho sempre cantava e de alguma forma Micha se apegou aquilo, se segurando à voz dele como se fosse a única coisa que poderia a manter sã. O único momento em que a culpa não a consumia, conseguia fechar os olhos sem se lembrar do que passou nas mãos dos militares e nomes não a perseguiam.

Incluso o nome que ela jurou manter enterrado e morto há muitos e muitos anos.

Como colegas de cela eles fizeram um acordo: Ele a daria toda a privacidade que quisesse e não faria perguntas, enquanto ela não reclamaria da cantoria.

Fora isso, não trocaram mais que duas ou três palavras durante os dias que se passaram. As vezes ela cogitava dar duas batidas na cama de cima para ter algo com que se distrair, mas achava injusto forçar uma aproximação apenas porque não conseguia dormir durante a noite. Então, ela se contentava em ouvi-lo cantar e fingir que estava dormindo nos raros momentos em que ele se calava e ia checar se tudo estava bem com ela.

Da mesma forma que fez agora, mas desta vez Micha estava cansada demais para se virar para o outro lado e disfarçar que estava muito bem acordada.

— Eu te acordei? — Apenas o rosto de Jinho de ponta cabeça era visível do beliche que tinha menos de um braço de distância separando as camas. Ela nega, ganhando um olhar preocupado em resposta.

— Não cheguei a dormir para ser acordada.

— Pesadelos?

— Quem me dera. Tá mais para a realidade me perseguindo. — Ele pisca sem saber o que dizer, tinha tantas perguntas e não podia faze-las. — Cansou de cantar?

Ele nega e volta a se deitar com um suspiro, sua garganta já começava a doer.

— A verdade é que não adianta perturbar o silêncio, eles não ligam mais. No começo, de cinco em cinco minutos um guarda aparecia, incomodado demais e se eu não parasse acabavam me punindo ou partindo para a agressão, mas eu continuava a cantar. — Sua risada fraca se espalhou pela cela apertada. — Já tem muito tempo que eles não aparecem.

— E por que você continua?

— Música era tudo o que eu tinha antes, foi o que me salvou de morar na rua e o que me deu um rumo na vida. Acho que só estou esperando que ela me salve novamente. — Micha continuou em silêncio, esperando ele continuar a falar porque gostava de ouvir a voz dele, mesmo que não admitisse. — É irônico pensar que foi a música que me trouxe para esse lugar.

— Isso não é culpa dela. — Jinho se assustou ao ouvi-la, não achava que ela realmente estava escutando. — É culpa desses cães intolerantes.

— Cães? — Ela concorda baixo. — Isso é um insulto a todos os cãezinhos do mundo.

Foi a primeira vez que a ouviu rir e consequentemente, a primeira vez que sentiu algo de realmente bom desde que entrou no centro de reabilitação.

— Se importa se eu fazer uma exceção no nosso acordo para te perguntar como veio parar aqui? — Ela não o respondeu, continuou em silêncio ao ponto de ter achado que ela havia dormido.

— Eu era tatuadora e ajudava alguns amigos com um bar que nós temos na capital, mas nós estávamos nos envolvendo em algo. Meu primo... Digamos que ele tinha informações valiosas demais a respeito do governo e conseguimos um plano para tirar ele e a namorada da cidade. — Um suspiro deixou os lábios dela.

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