Capítulo XII: Tinta

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  O dia começava cedo às segundas-feiras, o alarme alto tocava para todos, mesmo para os que não estudavam de manhã o que eu imaginava que incomodava bastante.
Retirei minha mão debaixo da coberta e a passei no rosto, sentindo a dor excruciante em meu pulso, "como vou escrever desse jeito?", pensei na hora, peguei meu celular e vi o horário, tinha bastante tempo até a hora de ir pra escola, então eu podia me permitir responder a mensagem de Lúcia que havia chegado na noite anterior. "A gente se vê na escola" foi apenas o que eu disse quando percebi que não conseguiria digitar mais que isso com uma mão só, me levantei e comecei a me arrumar, escovei os dentes, troquei minhas bandagens, vesti o uniforme, arrumei os livros dentro da mochila e fui para o refeitório do orfanato. Muitos dos internos já estavam ali como de costume, peguei meu café com pouco açucar e meu pão doce e me dirigi para a mesa central me sentando ao lado de Carlos, que conversava com Rafael, aqueles dois pareciam cada vez mais próximos, talvez Carlos se mudasse para o quarto dele, Rafael era o único interno com um quarto só pra ele, o colega dele havia sido adotado há algum tempo e ninguém havia chegado para ficar em seu lugar, sortudo, o que eu não daria pra ter um quarto só meu outra vez... talvez essa aproximação de Carlos fosse benéfica para todos os lados.

-Tá doendo ainda?- perguntou Carlos ao notar que eu havia chegado, se referindo ao ferimento em meu pulso.
-Pra caralho - respondo, era verdade - Parece que tem um pitbull mordendo meu pulso sempre que eu me mexo.
-Tá tomando os remédios?- pergunta Rafael
-Só posso tomar às oito em ponto, até lá... dor.
-Mano, eu não fazia ideia que você fazia isso - disse Carlos.
-Como não, cara?- respondi- De onde você acha que eu tiro meu dinheiro?
-Sei lá, achei que seu pai fosse rico.
-Ele era, mas eu não tenho acesso ao dinheiro até completar 18, até lá preciso de um meio pra comprar minhas coisas.
-Então tá né, quando seu braço melhorar você bem que podia...

  Carlos havia sido interrompido pelo segundo sinal, as vans haviam chegado, já era hora de ir. O caminho pra escola foi silencioso, Carlos ainda conversava com Rafael e os dois se sentavam ao meu lado, decidi apenas ouvir minhas músicas e tentar ignorar a dor no braço. Chegamos à escola e encontramos Lúcia no portão principal, Rafael se despediu de nós e se encaminhou para seu respectivo andar, ele estudava no terceiro ano. Ao encontrar Lúcia, ela veio me abraçar, mas eu tive que pedir que não o fizesse.

-Meu Deus- disse ela encostando em mim com cuidado- Como foi que isso aconteceu?
-Ah, eu tava costurando aí...
-Espera, o quê?- Lúcia me interrompeu atônita- Você estava costurando?
-Sim pô escuta, eu tava costurando aí uma menina chegou pedindo pra arrumar uma calça dela, aí beleza, só que tipo, no orfanato tem umas cinco mesas com máquinas de costura, uma do lado da outra, só que apenas duas funcionam, as outras ficam em cima das mesas até a gente conseguir dinheiro pra consertar elas - Lúcia me olhava atenta, eu falava enquanto andávamos em direção a nossa sala- Bem, essa menina colocou a calça em cima da mesa do lado da minha, porquê a que eu tava usando já tava cheia, só que ela jogou a calça na máquina em cima da mesa o que fez a máquina cair,  de reflexo eu fui pegar a máquina. Péssima ideia. Feri o pulso e precisei tomar ponto, está doendo até agora.
-Nossa, e quando foi isso?
-Foi no sábado- disse me sentando em minha cadeira, Lúcia se sentou ao meu lado e Carlos a minha frente - Ainda tá doendo mas tá melhorando, ontem tava muito pior.
-Ele tava gritando igual uma puta só de encostar no braço dele.- disse Carlos.
-Olha Beto, eu... quer dizer- a ruiva parecia procurar uma forma de falar- Minha Tia... tem uma pomada caseira que é ótima para aliviar a dor.
-Será que ela pode me dar um po...
-Não- ela me interrompeu chamando a atenção de algumas pessoas à nossa volta - Quer dizer... é coisa de família sabe, é melhor você ir lá pegar pessoalmente.
-O que?- Lúcia apertou minha perna levemente, nisso eu compreendi o que ela queria dizer - Ah... entendi, tudo bem, depois da aula eu vou lá.
-Maravilha - Ela sorriu lindamente ao responder, infelizmente não pude admirá-lo por muito tempo, tínhamos dois horários diretos com o "bicho-pau".

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