Capítulo XIV: Rex Noctem

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Ar. Ar. Eu precisava de ar. Estava sufocando e não sabia o porquê. Dentro daquele vazio infinito e branco, a poucos metros daquela mulher gigante com o rosto manchado de sangue. Seus olhos se prendiam em mim com uma curiosidade assustadora. Sua boca se abriu, devolvendo o ar aos meus pulmões. Sua mão veio ao meu encontro servindo como apoio para meus pés, no rosto da mulher, curiosidade se transformou em fúria, apertou minhas pernas com as mãos, fazendo-as quebraram como palitos, não consegui gritar, jamais poderia. Sua segunda mão vinha de encontro a minha parte de cima, em alta velocidade. Morte. A última linha. O último ponto final. A mão da mulher chega, era o fim

  Sábado. Acordei no chão sentindo dores não muito fortes em todo o corpo, tive um pesadelo naquela noite, estranho e aterrorizante, poderia querer dizer alguma coisa, mas podia não ser nada, resolvi não dar importância no momento, coisas desse tipo só eram problema pra mim se fossem recorrentes. Me levantei e me sentei na cama limpando o rosto, olhei para Carlos, que na ocasião, dormia profundamente, tive que acordá-lo quando o despertador tocou. Nos arrumamos em silêncio, Carlos colocou sua fantasia de Jason de Sexta-Feira 13 já de cara, me fazendo lembrar do que teria naquele dia, Carnaval e Dia de Vida, duas comemorações de dois mundos diferentes, ao lembrar fui atingido por um caminhão de empolgação. Fui até a sala de costura e peguei minhas maletas que continham minha fantasia, não havia necessidade de mochilas naquele dia então fomos pra escola apenas com nossas fantasias, alguns dos internos já estavam vestidos, ri ao perceber a quantidade de "Coringas" e "Arlequinas" no local, "quanta criatividade" pensei. As vans não trabalhavam no sábado, então tivemos que ir até a escola a pé, Lúcia nos interceptou no meio do caminho, quando ela se aproximou, Carlos a cumprimentou e fingiu ter sido chamado por Rafael, indo de encontro ao terceiranista. A ruiva aproveitou a deixa para enroscar seu braço no meu.

-O que tem nessas malas? - perguntou a Aqua.
-Minha fantasia- respondi sorrindo, mal podia esperar para ver a reação dela.
-Está em qual delas?
-Nas duas- sorri ainda mais, ela riu brevemente.
-Como assim nas duas? - perguntou confusa- São duas fantasias?
-Nope. Uma só. Dividida em duas partes.
-Tá. Digamos que... talvez, eu esteja morrendo de curiosidade agora.
-Cuidado hein, a curiosidade matou a Aqua - respondi rindo daquela piada ruim, fui acompanhado por Lúcia que me deu um tapa fraco no braço.
-Seu palhaço - ela disse após alguns segundos de risada - Me conta vai...
-Ai menina, espera, você já vai ver- disse, já estávamos chegando na escola.
-Tá bom- ela disse prolongando a palavra - Mas se essa fantasia não for incrível do jeito que você está fazendo parecer, eu te bato.
-Pode ficar tranquila, vai ser incrível.
Finalmente chegamos na escola, me despedi de Lúcia e me dirigi para uma sala vazia, deveria me trocar no banheiro, mas não queria sujar minha obra com as nojeiras que haviam naquele local. Tranquei a porta da sala, coloquei as maletas na mesa do professor a as abri, retirei minha calça e minha camiseta ficando apenas de cueca, e guardei minhas roupas na maleta. Peguei a primeira parte da roupa, era como um macacão feito com vários pedaços de panos velhos e escuros combinados com fitas e peças de couro preto dando o aspecto medieval que eu queria, coloquei a parte de baixo sem muita dificuldade, era uma roupa justa, mas não o suficiente pra incomodar, a segunda parte seria mais complicada, "devia ter pedido a ajuda do Carlos" pensei, abri toda a estrutura da segunda parte da fantasia, me coloquei de costas e comecei a amarrar as cordas nas hastes da roupa, as cordas de movimento, as principais, amarrei nos braços, após estar tudo no lugar peguei a grande estrutura e acoplei em meu corpo, enrolando em mim como se fosse uma grande capa, tirei o espelho de dentro de uma das maletas e puxei uma cadeira, coloquei minha peruca escondendo meu cabelo real por baixo dela, a peruca era de cabelos pretos com algumas partes prateadas, como se fosse grisalho, a maquiagem era bem simples, batom preto, um realce nas olheiras pra parecerem maiores, um blush bem claro pra dar a aparência morta que eu precisava. Enfim, estava pronto. Juntei minhas maletas e as coloquei em um canto da sala e me dirigi para o corredor que havia em cima da área principal onde todos os outros alunos se encontravam já fantasiados com suas roupas simples, em minhas mãos, segurava uma pequena sacola com algumas daquelas bolas de Natal digamos... modificadas. Me posicionei acima do centro do salão, ninguém me via, estavam distraídos demais, subi no pequeno muro e prendi uma corda com gancho nele, criando coragem pra pular, não era uma queda tão feia, mas eu ainda poderia quebrar uma perna se caísse de mal jeito. "3...2...1..." contei mentalmente, joguei o conteúdo da sacola no chão logo abaixo de mim, felizmente não havia ninguém naquela área, uma grande cortina de fumaça surgiu tampando a visão de qualquer um lá em baixo, havia funcionado, essa era minha deixa, desci pela corda para dentro do pequeno círculo que havia se formado, me desprendi da corda e me ajoelhei, essa seria minha entrada, à medida que a fumaça ia se dissipando eu ia me levantando lentamente, sem olhar pra ninguém, soltei as cordas presas em meus braços, fazendo as enormes asas de morcego se abrirem dissipando o resto da fumaça, dando um efeito ainda mais dramático a minha entrada, minha fantasia, Rex Noctem , o rei da noite, inspirado num filme antigo do Drácula, minha maior criação (até o momento), era pra ter saído no dia das bruxas passado, mas não tinha material para as asas, acabei encontrando depois por um preço maior, mas não liguei, eu estava fantástico e todos sabiam disso. Fui aplaudido por cinco minutos direto por boa parte dos alunos, após um tempo alguns vieram até mim me perguntar onde eu comprei e por quanto, desacreditaram quando eu disse que fui eu quem fiz, mas não liguei. Me encontrei com Lúcia, Carlos e Rafael que me olhavam com espanto.

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