Rio de Janeiro,Brasil- 20 de julho de 1600

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          O amor existe há muito tempo. É inevitável fugir dele. É inevitável fugir de mim. Um dia eu irei te encontrar. Você não vai esperar por mim. Eu não marco hora com ninguém.

                A pele morena, os cabelos negros, as faces delicadamente ruborizadas. Perto de uma macieira, encontrava-se uma índia. Havia fugido da perseguição incessante dos portugueses em torna-la católica. Ela simplesmente negava-se a acreditar que eles poderiam chegar dessa forma, e tomar as terras que por direito, eram de seu povo.

                Ela era uma moça forte. Determinada a conseguir o que queria. Sempre achou que poderia vencer-me, que nunca iria amar ninguém, porque ela não precisava de ninguém. Pobre coitada! Se soubesse o que estava prestes a acontecer.

                Um português encontrou-a no meio da mata. Eles conversaram. E eu deixei. Deixei que ela se apaixonasse. Criei o momento perfeito. Mas eu estava profundamente errada. Eu queria apenas mostra-la que ela estava errada sobre o amor. Mas eu sabia aonde minhas razões egoístas poderiam leva-la.

                Ela aceitou a doutrina católica, depois de apaixonar-se por ele. Eu fiz com que ela o desejasse ardentemente. De uma índia que andava nua por aí, ela tornou-se uma mulher de família. Ela deu à luz a um lindo menino. Fruto do amor. De quem? Apenas dela.

                Eu sei, eu fiz errado. Eu deixei que ela se apaixonasse. E também fiz a ruína da pobre índia. Um tempo depois ele largou sua família e foi morar com outra mulher. Uma mulher portuguesa. Ela ficou sozinha para cuidar do pequeno filho, e cuidar também do coração despedaçado. Havia amor apenas da parte dela. Não tive como mudar o coração dele, já que há muito havia sido corrompido.

                Às vezes, sinto que faço tudo errado. Eu tento ajudar, mas quando o amor acaba, é de verdade. E você, que é uma menina, e gosta de ajudar suas amigas a ficarem com outros garotos, não brinque com isso. O amor é uma coisa muito perigosa. Como eu poderia descrever? Ah, claro! O amor é uma criança recém-nascida. Você deve cuidar para que não caia, para que não se machuque. Um vacilo, e tudo se perde. A criança fica com sequelas. Ou até mesmo morre. Ou precisa de cirurgias. O caso é: O amor é algo que precisa estar sendo o tempo todo bem cuidado e alimentado. Se descuidarmos, pode causar feridas permanentes.

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                Você já ouviu muitas histórias. Poderia passar uma eternidade descrevendo-as e acabando com as suas esperanças em relação ao amor, mas não posso fazê-lo. Preciso te contar a minha história. Sim, não pasme. Eu tenho uma história. Eu não tenho um coração de pedra. 

                Eu o vi pela primeira vez quando estava caminhando em meio à neve pálida. Naquele dia, o céu se misturava em uma gama incrível de cores. Seu coração batia em um ritmo lento e despreocupado. Eu já havia visto muitos homens em toda a minha vida. Mas nenhum homem se comparava a ele. Os humanos nunca foram a minha espécie favorita, mas quando eu pus os olhos em tal beleza, jamais ousei pensar que os humanos eram menos do que incríveis.

                Os cabelos pretos pareciam penugem ao vento. Os olhos cor de âmbar fixavam-se em um ponto distante no horizonte. A respiração densa fazia um resquício de fumaça correr pelo ar congelado do sul argentino. Suas delicadas mãos estavam nos bolsos do casaco, procurando incessantemente esconder-se do frio. Seus sapatos estavam gastos, mas ele parecia não ligar muito para esse fato. Você deve achar que eu me encantei por esse humano porque ele tinha problemas. Porque a vida dele era difícil. Porque ele reclamava. Porque ele tinha uma família conturbada.

                Mas não. Eu sempre quis juntar pessoas com vidas difíceis e com problemas diferentes. Eu queria fazer com que as pessoas suportassem os problemas juntas.

                Mas ele não possuía problemas. Seu rosto era sereno. Ele agia de forma completamente diferente do restante do mundo. E quando algum problema surgia, ele encarava como se não fosse um problema. E isso foi a passagem para que meu estranho coração começasse a pertencer a aquele homem.

                Eu não deveria me importar com rótulos. Mas eu estava curiosa. Seu nome é Javier. Ele tem vinte e um anos. Mora sozinho, desde o momento em que deixou seus pais, aos dezenove anos, para estudar em outro local. Sobre sua vida, eu já sabia tudo o que precisava saber. Ultimamente, eu o tenho vigiado na maior parte do meu dia, e meu trabalho tem estado em segundo lugar.

                Eu tenho um certo apreço por coisas impossíveis. Nessa descrição se encaixam os amores impossíveis que eu tento fazer dar certo. Eu estou nessa descrição. Agora, não há cupido algum para velar por mim. O que devo fazer?

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